A realidade do século 21 é que a
democracia não é um valor ou uma prática universal, e a liberdade religiosa é
uma exceção nos Estados teocráticos, confessionais ou ateus.
As restrições, discriminações, violências e migrações forçadas atingem milhões
de cristãos sob a dominação do islamismo, do budismo, do bramanismo ou do
comunismo. O Ocidente silencia diante das violações aos direitos humanos. Os
interesses políticos e econômicos falam mais alto. A única ação política
possível para os cristãos é a luta pela sobrevivência. O sonho de uma era de
liberdade após a queda do Muro de Berlim ficou distante. O fato novo -- e
inesperado -- tem sido o surgimento de uma nova onda de intolerância,
discriminação e perseguição religiosa contra as expressões do monoteísmo de
revelação (particularmente o cristianismo) no Ocidente pós-cristão, no mundo
dito civilizado, no qual o cristianismo foi uma inegável variável histórica e
cultural. Na Europa, o secularismo avançou rapidamente, como desdobramento do
iluminismo e do racionalismo, e do vazio existencial trazido pelo liberalismo
teológico, enquanto imigrantes não-cristãos e sem tradição democrática ocupavam
o lugar dos nacionais que não nascem. Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova
Zelândia vão abjurando do seu passado cristão. O multiculturalismo, o
politicamente correto, a cultura da morte (aborto, não-procriação,
homossexualismo, eutanásia), a agenda GLSTB lastreiam uma pós-modernidade que,
negadora de qualquer verdade, afirma o individualismo, o subjetivismo e o relativismo.
O único absoluto é o relativo, na licitude da “diversidade” ilimitada. Sob a
falsa retórica da defesa de um desejável laicismo, minorias organizadas no
aparelho do Estado, na academia e na mídia -- de fato partidária e leninista --
promovem essa ideologia nos aparelhos ideológicos (imprensa, entretenimento,
educação) e coercitivos (legislação, judiciário, polícia). No Reino Unido,
alguém recentemente afirmou: “Trocamos uma cultura religiosa de tolerância por
uma cultura não-religiosa de intolerância”. Essa ideologia impõe o Estado
contra a nação, e a lei contra a cultura. O argumento religioso é
desqualificado -- vedada sua expressão no espaço público ou sua influência na
formulação das políticas públicas -- empurrado “sob varas” para a irrelevância
social das subjetividades ou para o espaço privado dos lares e dos templos.
Afirmar os valores cristãos vai se tornando um ato de delinquência, e, dos
direitos civis dos homossexuais, se passa para a obrigatoriedade da sua
normalidade. Em uma globalização assimétrica e unilateral, com um centro e
várias periferias, a intolerante ideologia do secularismo chega até nós, e já é
uma realidade no Brasil, com militantes em todos os partidos e esferas do
poder. A existência de uma expressiva população católico-romana e o crescimento
de uma população protestante (ambas com convicções e líderes articulados) se
manifestou nas reações necessárias -- embora muitas vezes desordenadas,
incoerentes ou interesseiras -- nas últimas eleições presidenciais, no conflito
com o secularismo que distorce o laicismo e tenta, mais uma vez, colocar o
Estado contra a nação. O desafio está diante de nós, cada vez mais ameaçador, e
de desdobramentos imprevisíveis. Enquanto isso, uma parcela do protestantismo,
em guetos, ainda cultiva o isolacionismo, a alienação política e a
irresponsabilidade cívica, a ascese individual e a busca do além-mundo. Uma
parcela crescente busca o poder e a prosperidade já nesse mundo. Grupos que,
por muito tempo, cultivaram a alienação, chegaram à esfera pública sem reflexão
bíblico-teológica ou conhecimento dos fatos e pensamentos sociais da igreja,
pois o moralismo-legalismo substituiu a ética social, e a concepção de pecados
sociais e estruturais. Com uma visão corporativista e clientelista, participam
do mundano realismo (“é dando que se recebe”), com episódios escandalosos. Há
quem salte de Davi à Dilma, presos aos paradigmas do antigo Israel, não
escondendo uma tentação teocrática, “como cabeça e não como calda” (um rei ou
um aiatolá evangélico...), carentes de humildade e de contribuições das
ciências humanas. Históricos e pentecostais sérios, porém atingidos pelo
pessimismo anabatista ou pré-milenista/pré-tribulacionista, ou pelo
comodismo-consumismo, se esqueceram da visão de participação construtiva de uma
cidadania responsável e promotora dos valores do reino de Deus, dos
missionários pioneiros e de gerações de protestantes brasileiros; ou da visão
de uma missão integral no mundo, onde, dentro das regras democráticas, devemos
defender nossos lícitos interesses, e travar lícitos embates políticos pela
preservação dos valores da nossa cultura, dos direitos naturais e do bem comum,
tendo as instituições eclesiásticas, os indivíduos e os movimentos de
inspiração cristã papéis diferenciados e complementares. O divisionismo e a
desorganização dos evangélicos, contudo, apenas agravam o problema; mas, sob a
Providência, uma nova realidade poderá surgir, para a relevância da igreja e o
bem do país.
Dom Robinson Cavalcanti
Dom Robinson Cavalcanti
www.ultimato.com.br
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