Sou de uma geração que ouviu falar muito sobre santidade. Na minha
juventude havia uma preocupação sincera com a necessidade de se viver uma vida
santa. Livros como “Em Seus Passos o Que Faria Jesus?” e a constante pergunta
se Jesus faria o mesmo no meu lugar funcionavam como uma forma de freio moral.
A luta contra os três grandes inimigos da santidade -- o diabo, o mundo e a
carne -- era levada a sério. A vontade de resistir-lhes era grande. A luta era
incansável.A busca pela santidade trouxe, para muitos, um tipo de paranoia, uma
preocupação com a “perfeição” moral que negava o prazer. Isto levou alguns a
abandonarem a fé, a fim de preservar a sanidade. Outros, sem abandoná-la,
tornaram-se cínicos em relação ao discurso moralista cristão. As mudanças sociais
dos anos 60 e 70 questionaram a herança cristã vitoriana, promovendo uma
mudança de paradigmas.
A partir dos anos 80, o tema da santidade perdeu força e interesse. Em
seu lugar, entrou a preocupação com a “saúde espiritual”. Cresceu a busca por uma
espiritualidade mais humana, centrada no bem-estar pessoal e no reconhecimento
do prazer como expressão saudável da fé. Se o velho modelo era fundamentado na
renúncia e no sacrifício, o novo foi construído sob o alicerce do prazer e da
aceitação.
Entramos no século 21 e percebemos que “saúde espiritual” tornou-se
sinônimo de “saúde emocional” e substituto para a salvação por meio do
arrependimento e da fé. Sentir-se bem e ter saúde emocional e espiritual é o
que importa. O discurso cristão não é mais contracultural. O mundo e a carne
deixam de ser inimigos. Ser cristão significa sentir-se bem e ajustado com a
cultura secularizada.
Contudo, o chamado para sermos santos permanece central para a vida
cristã. Mesmo que nossa compreensão seja limitada ou condicionada por modelos
culturais, a identidade cristã repousa sobre o fato de que Deus é santo e,
porque ele é santo, somos chamados a ser santos como ele. E o que isso quer
dizer?
O reverendo J. I. Packer afirma que a santidade envolve separação e contraste.
A vida de Jesus ilustra bem isto. Por um lado, ele afirma que seu reino não é
deste mundo (separação). Por outro, a forma como vive representa um enorme
contraste com a cultura da época. Ser santo é ser separado do mundo. Não uma
separação alienada ou esquizofrênica, mas sim uma separação que intensifica o
contraste entre o mundo e o reino de Deus.
Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, Deus chama e separa um povo
para ser seu, um povo sobre o qual ele reina e governa. O profeta Jeremias reafirma
o significado da aliança, dizendo: “Porque esta é a aliança que firmarei com a
casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: Na mente, lhes imprimirei
as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles
serão o meu povo” (Jr 31.33). O apóstolo Pedro faz coro, dizendo: “Vós, porém,
sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva
de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas
para sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora,
sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora,
alcançastes misericórdia” (1Pe 2.9-10).
Conversão significa responder ao chamado de Cristo em obediência e fé,
renunciar o mundo e viver como povo santo de Deus. Isto requer separação e
contraste. É por esta razão que Jesus disse aos discípulos que, se eles fossem
do mundo, o mundo os amaria; porém, como eles foram chamados do mundo para
Cristo, o mundo os odeia como também o odiou (Jo 15.18-19). Viver como Cristo
viveu implica participar do mesmo sofrimento e das mesmas alegrias. Jesus
afirmou: “O servo não é maior que o seu Senhor”.
A esperança para o mundo repousa neste povo separado por Deus. Um povo
cuja vida, relacionamentos, conduta, ética, moral, expõem o contraste entre a
humanidade pretendida por Deus e revelada em Jesus Cristo e a forma como o
mundo e a cultura se estruturam sem Deus. Este contraste traz esperança para
alguns, tensões para outros e, inclusive, incompreensão e perseguição.
Pr. Ricardo Barbosa de Sousa
www.ultimato.com.br
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