sexta-feira, 30 de abril de 2010

O QUE HAVIA SIDO USURPADO


A ganância, que é idolatria, não é o desejo de acumular riquezas e não é o anseio pela aparente liberdade que as riquezas podem comprar. O verdadeiro motor da ganância é um fetiche mais profundo, mais oculto e mais raramente expresso em palavras, pois trata-se do desejo pelo direito de não depender de ninguém, o vertiginoso direito de poder viver sem qualquer consideração pela vontade e pelas necessidades dos outros.
Em última instância, a ganância é o anseio pelo distanciamento completo dos embaraços do mundo, e seu impulso subjacente é uma completa negação do mundo. A seu modo, portanto, a obsessão pela acumulação de bens é uma espécie de ascetismo, uma forma de negar e afastar-se das complicações da vida. Nosso sonho mais rigoroso é acumular bens e riqueza até que o mundo exterior não tenha absolutamente qualquer modo de nos atingir, até que estejamos perfeitamente a salvo e perfeitamente distintos do mundo.
É precisamente essa ilusão de isolamento a denúncia da parábola registrada por Lucas no décimo-segundo capítulo de seu evangelho, a história do homem rico que decidiu encarcerar-se em celeiros com suas provisões e bens, porque havia angariado suficiência “para muitos anos”. Esse homem havia satisfeito idealmente o coração secreto da sua ganância, porque era (ou se julgava) finalmente independente de tudo e de todos. A história escancara que essa sua autonomia é ilusória, pois explica que Deus decidira secretamente requerer a sua vida naquela mesma noite. Porém, em termos estritos, o homem já conseguira adquirir em vida a estirpe de morte que escolhera para si mesmo, porque a completa separação do mundo e das pessoas, embora seja o alvo ideal de toda a ganância, é uma espécie muito literal de morte. Na história o protagonista deve morrer na mesma noite em que planeja sua independência – porque, no fim das contas, já escolheu a morte. Estando plenamente suficiente, separado das contingências da vida e das necessidades dos outros, já está morto.
Acumular riquezas é construir defesas contra o mundo, e nisso a ganância é indistinguível de qualquer outra obsessão com a morte. Que os ricos e os gananciosos são obcecados pela morte é evidente no que negam a morte continuamente. Recusam-se a mencionar a morte ou a reconhecer o seu poder, mas vivem construindo contra as contingências da vida barreiras que lhes pareçam suficientemente seguras. Todos os que criam estavam unidos e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e bens e os repartiam por todos, segundo a necessidade de cada um.O homem rico vive percorrendo os limites da sua propriedade, estudando vulnerabilidades e planejando ampliações; ele teme encontrar alguma brecha em seus muros, porque não quer deixar entrar qualquer traço de vida e, consequentemente, de morte.
Quando escolhem neste ponto despojar-se de seus bens em favor de todos os outros, os integrantes da comunidade do espírito estão fazendo precisamente o trajeto contrário, isto é, abraçam sem intermediários a vida e a morte, o mundo e as pessoas. O homem rico da parábola decide construir para si celeiros que deveriam funcionar como barreira efetiva contra a entrada do mundo; inversamente, ao despojar-se dos seus bens os romeiros de Pentecostes estão baixando suas defesas, demolindo as muralhas que os protegiam.
Séculos depois, devidamente iluminado por essas coisas e estarrecido diante delas, coube a Proudhon proclamar sucintamente que “propriedade privada é roubo”. Como observou meu amigo Dan Oudshoorn, isso não quer apenas dizer (como disseram, ver acima, pais da igreja como Ambrósio de Milão) que acumular bens é subtrair sem autorização de um patrimônio que Deus designou a todos e não apenas a alguns; ceder às tentações da propriedade privada não é apenas roubar dos pobres, é roubar a nossa humanidade de nós mesmos – precisamente porque nossos bens acabam exercendo a obscena função de barreira intermediária entre nós e o mundo, entre nós e os outros.
Acumular bens é confessar que nossa identidade e nosso valor estão de alguma forma ligados às coisas que conseguimos angariar ou manter, e não a nós mesmos. Essa é uma admissão desumanizante, e para escaparmos da consciência disso aplicamos o mesmo critério desumanizador aos outros, julgando-os pelo que podem oferecer para nos impressionar e reservando nossa generosidade para os que não carecem dela (isto é, os que podem recompensá-la). A ganância é idolatria porque é essa degradante confissão de insuficiência e de desgraça.
Novamente, é por essa razão que os da comunidade do espírito sentem a necessidade de despojarem-se literalmente dos bens que os amarram e confundem. Quando diluem tão imprudentemente o seu patrimônio, estão confessando em altos brados a suficiência do reino de Deus, onde aos pássaros não falta alimento e onde a elegância das flores é motivo de embaraço para reis e dignatários. Confessar o reino é confessar que nada há que temer e que nenhuma barreira deve ser construída entre o ser humano e a vida, entre um ser humano e outro. É apostar, loucamente, na suficiência do cavalheirismo e da gentileza. Ao mesmo tempo em que se despojam, os novos discípulos dão testemunho de que acreditam que a vida partilhada vale todos os riscos (de que a riqueza não salva) e se mostrará capaz de suprir todas as carências (que a riqueza não satisfaz). É uma confissão insensata mas simetricamente digna de Jesus, e neste momento são todos simultaneamente afixados e identificados com ele na cruz.
Tornaram-se, finalmente, as testemunhas que Jesus havia desafiado que fossem, porque aprenderam a falar tão-somente a linguagem da graça, da generosidade, da inclusividade e da dádiva – a qual, conforme proposto incessantemente pelo Filho do Homem, é a própria linguagem (isto é, a identidade) de Deus.
A reviravolta está em que descobrem, como todos que se embrenham nesse caminho estreito, que nada há mais vantajoso, benéfico e curativo para eles mesmos do que “ajudar” os outros diluindo a vida e demolindo as barreiras que haviam passado a vida erguendo contra os avanços deles. Os romeiros de Pentecostes, que haviam, como todos, acumulado riquezas a fim de garantir a sua própria liberdade contra a ameaça dos outros, deparam-se agora com a maravilha articulada por Moltmann: o momento em que o outro deixa de ser um limite à nossa liberdade e passa a ser uma inesperada extensão dela.
É ainda por essa razão que o seu despojamento deve ser total. Primeiro, para que não acabem incorrendo no que Derrida chama de hostipitalidade – isto é, a complexa rede submersa de conflitos e hostilidades que acompanha necessariamente as relações de hospitalidade. A hospitalidade deve ser radical ao ponto do esvaziamento, do contrário não será de fato hospitalidade. Enquanto houver distinção entre hóspede e anfitrião, entre doador e beneficiado, entre ricos e pobres, haverá cobrança e hostilidade (mesmo que encobertas), e essas são tensões inteiramente incompatíveis com o mecanismo imaculado da graça. Enquanto houver algum apego à propriedade haverá alguma barreira, por isso a completa dissolução, o esvaziamento sem paralelo e sem precedentes. Possuir é manter-se condicionado.
Segundo, porque o despojamento total é o preço do encontro definitivo consigo mesmos, é o momento da morte do ego e da ressurreição, e na qualidade de heróis míticos os peregrinos de Pentecostes não hesitarão em dar esse último passo – que será o seu primeiro. Morrem porque querem viver, dão tudo porque querem ser livres. Quem quiser preservar a sua vida irá perdê-la, já havia profetizado o inclemente paradoxo de Jesus.
E, finalmente, quando se vulnerabilizam por completo, esses homens e mulheres encontram-se consigo mesmos e com uma suficiência que não podiam sonhar que chegariam a experimentar. Abrindo mão daquilo que o rico busca encontrar incessantemente na riqueza, isto é, controle, os peregrinos encontram controle e autodomínio – e encontram-nos num regime permanente que a riqueza, por definição, é incapaz de prover.
Estão, simultaneamente e pela primeira vez, disponíveis para outros – não porque deram aos outros tudo que possuíam, mas porque encontraram-se consigo mesmos e será a primeira vez que os outros poderão vê-los, a cada um, como realmente são. Porque abriram mão das riquezas e dos bens que vinham servindo de barreira entre eles mesmos e os outros, serão finalmente capazes de compartilhar aquilo que, nas palavras de Santo Ambrósio, haviam “usurpado” das outras pessoas, aquilo que havia sido “dado para o benefício comum de todos”.
Não os seus bens, mas eles mesmos.

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sábado, 24 de abril de 2010

PEDIR BEM


Jesus afirmou: “Por isso, vos digo que tudo quanto em oração pedirdes, crede que recebestes, e será assim convosco.” (Mc. 11.24). E ainda: “E tudo quanto pedirdes em meu nome, isso farei, a fim de que o Pai seja glorificado no Filho. Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei.” (Jo. 14.13,14)
Declarações como essas são para nós, cristãos, um refrigério na alma, motivo de fé e perseverança nas orações.
Muitos, no entanto, encontram na oração o grande dilema do seu relacionamento com Deus. Isto porque suas petições não são respondidas. “Até quando, Senhor, clamarei eu, e tu não me escutarás?” (Hc. 1.2)
Para estes, as afirmações de Jesus geram angústia, sofrimento e desconforto, às vezes, até mesmo revolta contra Deus. “Chegue a minha oração perante a tua face, inclina os teus ouvidos ao meu clamor; porque a minha alma está cheia de angústia, e a minha vida se aproxima da sepultura... Eu, porém, Senhor, tenho clamado a ti, e de madrugada te esperará a minha oração. Senhor, porque rejeitas a minha alma? Por que escondes de mim a tua face?” (Sl. 88.2,3,13,14)
Assim como o salmista, eles perguntam: “Rejeitará o Senhor para sempre e não tornará a ser favorável? Cessou para sempre a sua benignidade? Esqueceu-se Deus de ter misericórdia? Ou encerrou ele as suas misericórdias na sua ira?” (Sl.77,7-9)
É certo que Deus não deixou de derramar bençãos sobre seus filhos e que a Palavra de Deus não passará. Ela permanece eficaz e poderosa.
A Palavra nos dá a garantia da resposta das nossas orações. “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á. Porque, aquele que pede, recebe; e, o que busca, encontra; e, ao que bate, abrir-se-lhe-á” (Mt. 7.7,8). É ela também que nos ensina como e porque pedir: segundo a vontade de Deus, para cumprir o Seu propósito. “E esta é a confiança que temos nele, que, se pedirmos alguma coisa, segundo a sua vontade, ele nos ouve. E, se sabemos que nos ouve em tudo o que pedimos, sabemos que alcançamos as petições que lhe fizemos.” (IJo. 5.14,15)
No entanto, Tiago afirma que há aquele que pede e não é atendido. Ele ensina que isso ocorre porque o que ora pede mal. Pedir mal é pedir contrário a vontade do Senhor, para a própria satisfação pessoal, quando o desejo não é o melhor para o Reino de Deus. “Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos deleites.” (Tg. 4.3)
Para pedir segundo a vontade de Deus, precisamos, antes de tudo, conhecer os preceitos do Senhor que se revela através de Sua Palavra. E, ainda, ser cheio do Espírito, para que este nos conduza em oração a fim de glorificarmos a Deus. “E da mesma maneira também o Espírito ajuda as nossas fraquezas; porque não sabemos o que havemos de pedir como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis.” (Rm. 8.26)
Deus, em sua infinita bondade e conhecedor do coração de cada um de nós, sempre nos dá o melhor, mesmo quando pedimos mal ou não sabemos como pedir. “Todo caminho do homem é reto aos seus olhos, mas o Senhor sonda os corações” (Pv.21.2) “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá? Eu, o Senhor, esquadrinho o coração e provo os rins; e isto para dar a cada um segundo os seus caminhos e segundo o fruto das suas ações.” (Jr. 17.9,10)

Rosane Itaborai Moreira

quinta-feira, 22 de abril de 2010

A LENDA DOS INDIOS CHEROKEES


Você conhece a lenda do rito de passagem da juventude dos índios Cherokees?

O pai leva o filho para a floresta durante o final da tarde, venda-lhe os olhos e deixa-o sozinho.
O filho fica sentado sozinho no topo de uma montanha durante toda a noite e não pode remover a venda até os raios do sol brilharem no dia seguinte.
Ele não pode gritar por socorro.
Se ele passar toda a noite lá, será considerado um homem.
Ele também não pode contar a experiência aos outros meninos porque cada um deve tornar-se homem do seu próprio modo, enfrentando o medo do desconhecido.
O menino está naturalmente amedrontado.
Ele ouve toda espécie de barulho.
Os animais selvagens podem, naturalmente, estar ao redor dele.
Talvez alguns humanos possam feri-lo.
Os insetos e cobras podem vir pica-lo.
Ele sente frio, fome e sede.
O vento sopra a grama e a terra sacode os tocos, mas ele se senta estoicamente e nunca remove a venda.
Segundo os Cherokees, este é o único modo dele se tornar um homem.
Finalmente...
Após a noite horrível, o sol aparece e a venda é removida.
Ele então descobre seu pai sentado na montanha perto dele. Ele permaneceu a noite inteira protegendo seu filho do perigo.

Nós também nunca estamos sozinhos! Mesmo quando não percebemos, Deus está olhando para nós, "sentado ao nosso lado". Quando os problemas vêm, tudo que temos a fazer é confiar que ELE está nos protegendo.
Evite tirar a sua venda antes do amanhecer... Apenas porque você não vê Deus, não significa que Ele não esteja conosco. Nós precisamos caminhar pela nossa fé, não com a nossa visão material.

Recebido por e-mail

sábado, 3 de abril de 2010

O CORDEIRO PASCAL


A Páscoa foi uma festa instituída por Deus em lembrança da libertação dos israelitas da escravidão do Egito. O nome significa passagem, alusão à visita do anjo da morte que eliminou os primogênitos egípcios e preservou os hebreus cujas portas das casas tinham sido aspergidas com o sangue do cordeiro pascal (Ex.12.11-27).
Era uma festa com muitas regras a serem observadas pelo povo. O cordeiro morto tinha que ser sem defeito, novo e macho. Na mesma noite, o cordeiro assado deveria ser comido com pão asmo e ervas amargas, não devendo ser quebrados os seus ossos. Se havia sobra para o dia seguinte, esta devia ser queimada. Durante os oito dias da Páscoa não se podia comer pão levedado. Era tão rigorosa a obrigação da guarda da Páscoa que todo aquele que a não cumprisse seria condenado à morte (Nm 9.13). E aquele que tivesse qualquer impedimento legítimo, como jornada, doença ou impureza, tinha que adiar sua celebração até ao segundo mês do ano eclesiástico. Vemos um exemplo disso no tempo de Ezequias (IICr 30.2-3).
Para os cristãos, Jesus Cristo é o sacrifício da Páscoa. Perfeito e sem pecado. Isso é claro na profecia de João Batista, em Jo. 1.29: "Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!" e na ordem do apóstolo Paulo: "Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois, de fato, sem fermento. Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado." (1Co 5.7).
Jesus Cristo é o Cordeiro de Deus que foi sacrificado para salvação e libertação dos pecados de todo homem que crê. Para a saída da escravidão do pecado e da morte e entrada na liberdade que nEle há.
Para isso aprouve a Deus que a Sua morte acontecesse exatamente no dia da Páscoa judaica, apresentando de forma clara o paralelo entre o sangue do cordeiro e o sangue do próprio Jesus.
A Páscoa dos hebreus libertou-os da escravidão física e da opressão dos egípcios. O sangue de Jesus nos livrou da escravidão espiritual, do pecado e da morte eterna.
Como Paulo declarou “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1). E ainda Pedro: “Sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo” (IPe. 1.18,19).

Rosane Itaborai Moreira