Jesus disse que ninguém pode entrar no reino dos céus se não se tornar
como uma criança. A imagem que surge na mente dos adultos, quando ouvem esta
afirmação de Jesus, é a da pureza infantil, da inocência, da dependência --
virtudes que poucos adultos desejam. Assim, a conclusão lógica a que qualquer
um chegaria é que poucos deles entrarão no reino dos céus. A infância, para muitos adultos, é apenas uma lembrança -- boa para uns,
ruim para outros. É raro encontrar um adulto que demonstre interesse, por menor
que seja, em ser como uma criança. Os poucos que o demonstram, o fazem por
razões românticas, não reais. O interesse do adulto pela inocência ou pureza
quase sempre é confuso e infantilizado. É também raro encontrar um adulto que,
de fato, queira ser dependente. Pode até querer se convencer de suas
limitações, mas dificilmente abrirá mão do controle de seu destino.
Ao tomar uma criança como exemplo daqueles que entrarão no reino dos
céus, Jesus não tem em mente as imaginações românticas que nós, adultos, temos
da infância. Mesmo porque o reino dos céus não será herdado por adultos
infantilizados. Maturidade e crescimento são evidências esperadas na vida
daqueles que seguem a Cristo.
Ao tomar uma criança como exemplo, Jesus nos ajuda a corrigir uma
compreensão equivocada que temos da virtude da humildade. Os discípulos
discutiam entre si qual deles seria o maior no reino dos céus -- conversa
típica de adulto. No meio desta discussão, Jesus toma uma criança e diz que
quem se humilhar como ela -- este, sim -- será o maior no reino dos céus.
Tornar-se criança não é transformar-se em um adulto infantilizado; é
aprender o significado da humildade, sem a qual ninguém entrará no reino dos
céus. Tornar-se como criança é reconhecer a condição de filho e de filha. Ser
humilde como uma criança é reconhecer-se como criatura. A natureza humana
frequentemente inverte esta relação. O prazer mais natural de uma criança é
agradar seus pais. Humildade é agradar aquele (ou aqueles) a quem amamos. Não
se trata de uma virtude que se conquista com atitudes modestas ou com a negação
de elogios. Ela se desenvolve na medida em que cresce em nós a consciência de
quem somos diante do Criador.
É curioso notar como a fronteira entre a humildade e o orgulho é
estreita. Ser elogiado por ter feito algo bom nunca foi um pecado. É legítimo o
prazer que sentimos ao agradar alguém a quem amamos. O prazer maior de qualquer
cristão será ouvir a voz do Salvador dizer: “Muito bem, servo bom e fiel…”
-- um elogio que nos encherá de prazer por termos agradado aquele a quem mais
amamos. Porém, o elogio pode se transformar em uma fonte de prazer em si mesmo.
Neste caso, não se procura agradar a pessoa amada, mas sentir-se valorizado e
importante. O polo é invertido: é a criatura assumindo o lugar do Criador. É
neste ponto que o adulto deixa de ser criança e torna-se infantil.
Tornar-se criança significa reconhecer a condição de criatura e saber
que nada nos alegra mais do que agradar o Criador. É por isso que Jesus nos
ensina a entrar no quarto, fechar a porta, para aprender a orar. Orar em
público, faz da oração facilmente um fim. Ouvir elogios dos outros nos faz
sentir que somos “bons na oração”, enquanto que orar secretamente no quarto nos
leva a experimentar a recompensa que vem de Deus. Aprendemos a orar por causa
dele e não por nossa causa. Desejamos agradá-lo e não a nós.
Somente os humildes entrarão no reino dos céus. A verdadeira fé não é
fazer grandes coisas em nome de Deus, mas viver de forma a agradá-lo. Não é
isto que os pais esperam de uma criança? Tornar-se criança é viver liberto da
tirania da vaidade, da busca insana pela autorrealização, da necessidade
infantil de ser admirado e reconhecido. Tornar-se criança é experimentar a
alegria de viver para aquele que nos criou e agradá-lo.
Quer louvar-te um ser humano, parte minúscula de tua criação. És tu
mesmo que lhe dás o impulso para fazê-lo, assim ele se sente feliz ao
louvar-te. Pois para ti nos criaste, e inquieto é nosso coração, até que chegue
a descansar em ti. (Agostinho, “Confissões”)
Pr. Ricardo Barbosa de Sousa