A linguagem de
Jesus nos evangelhos é cheia de metáforas e imagens. Suas parábolas são um
convite a imaginação. Não são apenas, como muitos pensam, ilustrações de
grandes verdades e doutrinas: são histórias que nos convidam a entrar num
mundo rico de símbolos, imagens, possibilidades e verdades.
Jesus nem sempre
conclui suas histórias. Ele deixa que o final delas seja escrito por mim e
por você, e, todas as vezes que as lemos, encontramos um final diferente. O
bom das histórias é que elas não são como a aritmética, exatas, imutáveis.
Desde que aprendi que dois mais dois somam quatro, isto nunca mais mudou. Mas
as histórias não são assim. Elas crescem com a gente, amadurecem à medida que
amadurecemos, não perdem nunca sua beleza e seu encanto, estão sempre a desafiar
nossa imaginação.
Uma das metáforas
que Jesus usa nas conversas com seus discípulos, rica em imagens, é a da
videira. Ali ele apresenta a nossa vida espiritual como sendo os galhos
ligados à videira. Ele mesmo é a videira, e nós, os galhos. Mas, para que os
galhos da videira cresçam e dêem os seus cachos, eles precisam do trabalho de
um agricultor, que, com precisão e experiência, realiza a poda.
Jesus diz que Deus,
o Pai, no início de cada primavera, toma os ramos em suas mãos e começa esta
delicada tarefa de jardineiro. Ele limpa, corta e tira o excedente para que
as flores e os frutos apareçam e cresçam saudáveis. Esta é uma bela metáfora
sobre a necessidade de manutenção da vida espiritual.
O crescimento
espiritual não é o resultado da somatória de eventos, experiências,
informações e realizações que acumulamos. É, sim, o resultado de um longo
processo de jardinagem, no qual o experiente jardineiro corta, apara e limpa
para depois ver a flor e o fruto brotando com beleza e saúde. Muitas vezes,
pensamos que a vida espiritual é determinada por aquilo que fazemos para
Deus. No entanto, esta metáfora nos mostra que, antes de fazermos alguma
coisa, darmos algum fruto, nos submetemos ao trabalho da poda. O que Deus faz
em nós precede o que fazemos para ele.
Para quem não
conhece o trabalho de jardinagem, a poda pode parecer, numa primeira vista,
um processo de mutilação, de agressão. A planta podada fica feia, algumas
chegam a sangrar, mas este é o único caminho para depois crescer com saúde e
produzir as flores e os frutos que irão embelezar e alimentar o mundo.
Temos algumas
coisas que precisam ser podadas. Uma delas é a ambição. Nossa busca por
sucesso, por garantias profissionais e financeiras, por segurança e
estabilidade tornou-nos prisioneiros de um velho pecado que surge hoje com
cara nova: a ambição. Noutros tempos, era considerada um grande mal; hoje é
aclamada, valorizada, buscada e desejada. Transformou-se numa virtude. O
problema é que ela sutilmente inverte os pólos, levando-nos a deixar de ser
criaturas para ser criadores.
Nossas vidas só
podem ser vividas plenamente quando vivemos nos termos da criação. Isto
implica viver debaixo de uma ordem definida na criação, ou seja, Deus ama e
nós somos amados; Deus cria e nós somos criados; Deus revela-se e nós
recebemos a revelação; Deus ordena e nós obedecemos. Isso nos leva a crescer
como criaturas, a aceitar o Criador, a entender que não sou eu que dou
sentido ao mundo, é Deus; que não preciso lutar pelo meu espaço, pelo
reconhecimento, mas descobrir quem sou e o propósito de minha vida diante de
Deus. Ser cristão é aceitar os termos da criação.
Isto não nos impede
de crescer profissionalmente, de oferecer alguma estabilidade financeira para
a família; mas liberta-nos da tentação de viver num mundo sem Criador, de
carregar um peso que não nos pertence, de inverter os pólos e assumir aquilo
que é próprio de Deus. Se deixamos o jardineiro podar nossas ambições,
teremos maior disposição para aprender, para amar, para ser conduzidos e
abençoados.
Outra poda de que
necessitamos é a da ingratidão. Ela nos torna pessoas insatisfeitas. Nunca
temos o suficiente, há sempre algo faltando. Perdemos a capacidade de ver
Deus agindo nas pequenas coisas, a alegria de perceber sua graça nos
detalhes. Com isso, perdemos também a capacidade de confiar. Dependemos
apenas de nós. E, na busca por autoconfiança, encontramos a ansiedade e o
desespero. Fechamos as portas da alma para a presença alegre e libertadora do
Espírito Santo. Seguimos reclamando, sem perceber o cheiro das flores e o
sabor dos frutos. Somos galhos infrutíferos.
Podar a ingratidão
é abrir a alma para a generosidade de Deus; é dar, ao invés de somente receber;
é ir ao encontro do outro, ao invés de esperar que nos encontre; é oferecer a
mão, o ombro, o carinho, a compaixão, ao invés de lamentar a solidão e o
abandono. É aqui que experimentamos a alegria do Senhor, que nos tornamos
pessoas extravagantes, generosas, gratas. Ao invés de buscar bênçãos,
tornamo-nos benção para os outros. É neste movimento que crescemos, que
exalamos o perfume, que trazemos os frutos da poda divina.
Precisamos também
deixar podar nossa apatia ou acomodação. A apatia é fonte da anemia
espiritual. Ela nos torna descuidados, displicentes, acomodados. Não há nada
mais feio do que um jardim abandonado. As roseiras que não foram podadas no
tempo certo, que cresceram desordenadas, não têm mais forças para fazer as
rosas brotarem, misturam-se com o mato, tornam-se semelhantes a eles.
Precisamos mais uma vez da experiência do jardineiro. Limpar o mato, tirar o
excesso, podar é possibilitar novamente o fluxo da vida, o viço da beleza, o
crescimento saudável.
O descuido da vida
devocional, o desinteresse pela oração, o descaso para com a igreja, o
abandono da comunhão vão permitindo que o mato cresça. Outros hábitos vão
sendo formados, passamos a gostar de outros lugares, a ter prazer noutras
coisas. O mato começa a fazer parte da paisagem, toma conta do jardim. O
problema é que só daremos conta do mal quando o fruto vier apodrecido, isto
se vier algum fruto.
Podar a apatia e a
acomodação é renovar alianças e votos . É permitir que a seiva da graça de
Deus volte a correr por todos os canais, trazendo de volta a vida e a paixão
por Deus, pela família, por irmãos e irmãs. É voltar os olhos para o futuro
e, como o jardineiro - que, logo após a poda, deixa a roseira mutilada e feia
-, saber que, após alguns dias de chuva e sol, surge ela cheia de vida, bela,
radiante e admirada pelas cores e pelo perfume.
Precisamos da poda.
É doloroso, mas necessário. Há muito mato, muito ramo que não cresce mais,
não dá mais fruto. Jesus advertiu-nos dizendo que o destino do mato e dos
ramos infrutíferos é o fogo, não prestam para mais nada. Precisamos mais uma
vez da mão de um jardineiro, de alguém que, com experiência e amor, tire fora
tudo aquilo que impede nosso crescimento, que sufoca a alegria, que rouba a
paz, que enfraquece a confiança e que tira a segurança.
Pr. Ricardo Barbosa
de Souza
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"Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém." (Rm. 11.36)
quarta-feira, 8 de agosto de 2012
PODANDO GALHOS, GERANDO FRUTOS
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