quinta-feira, 25 de outubro de 2012

DAR DINHEIRO NA IGREJA



Dar dinheiro na igreja tem sido uma prática cada vez mais questionada. Certamente em virtude dos abusos de lideranças religiosas de caráter duvidoso, e a suspeita de que os recursos destinados à causa acabam no bolso dos apóstolos, bispos e pastores, não são poucas as pessoas que se sentem desestimuladas à contribuição financeira. Outras tantas se sentem enganadas, e algumas o foram de fato. Há ainda os que preferem fazer o bem sem a intermediação institucional. Mas o fato é que as igrejas e suas respectivas ações de solidariedade vivem das ofertas financeiras de seus frequentadores e fiéis. Entre as instituições que mais recebem doações, as igrejas ocupam de longe o primeiro lugar na lista de valores arrecadados. Por que, então, as pessoas contribuem financeiramente nas igrejas?
Não são poucas as pessoas que tratam suas contribuições financeiras como investimento. Contribuem na perspectiva da negociação: dou 10% da minha renda e sou abençoado com 100% de retorno.  Tentar fazer negócios com Deus é um contra-senso, pois quem negocia sua doação está preocupado com o benefício próprio, doa por motivação egoísta, imaginando levar vantagem na transação. É fato que quem muito semeia, muito colhe. Mas essa não é a melhor motivação para a contribuição financeira na igreja.
Há quem contribua por obrigação. É verdade que a Bíblia ensina que a contribuição financeira é um dever de todo cristão.  A prática do dízimo, instituída no Antigo Testamento na relação de Deus com seu povo Israel foi referida por Jesus aos seus discípulos, que deveriam não apenas dar o dízimo, mas ir além, doando medida maior, excedendo em justiça. A medida maior era na verdade muito maior. Os religiosos doam 10%, os cristãos abrem mão de tudo, pois crêem que não apenas o dízimo pertence a Deus, mas todos os recursos e riquezas que têm em mãos pertencem a deus e estão apenas sob seus cuidados.
Alguns mais nobres doam por gratidão. Pensam, “estou recebendo tanto de Deus, que devo retribuir contribuindo de alguma maneira”. Nesse caso, correm o risco de doar apenas enquanto têm, ou apenas enquanto estão sendo abençoados. A gratidão é uma motivação legítima, mas ainda não é a melhor motivação para a contribuição financeira.
Existem também os que contribuem em razão de seu compromisso com a causa, com a visão, acreditam em uma instituição e querem por seu dinheiro em algo significativo. Muito bom. Devem continuar fazendo isso. Quem diz que acredita em alguma coisa, mas não mete a mão no bolso, no fundo, não acredita. Mas essa motivação está ainda aquém do espírito cristão. Aliás, não são apenas os cristãos que patrocinam o que acreditam.
Muitos são os que doam por compaixão. Não conseguem não se identificar com o sofrimento alheio, não conseguem viver de modo indiferente ao sofrimento alheio, sentem as dores do próximo como se fossem dores próprias. Seu coração se comove e suas mãos se apressam em serviço. A compaixão mobiliza, exige ação prática. Isso é cristão. Mas ainda não é suficiente.
Poucos contribuem por generosidade. Fazem o bem sem ver a quem. Doam porque não vivem para acumular ou entesourar para si mesmos. Não precisam ter muito. Não precisam ver alguém sofrendo, não perguntam se a causa é digna, não querem saber se o destinatário da doação é merecedor de ajuda. Eles doam porque doar faz parte do seu caráter. Simplesmente são generosos. Gente rara, mas existe. O relacionamento com Jesus gera esse tipo de gente.
Finalmente, há os que contribuem por piedade. Piedade, não no sentido de pena ou dó. Piedade como devoção, gesto de adoração, ato que visa apenas e tão somente manifestar a graça de Deus no mundo. Financiam causas, mantém instituições, ajudam pessoas, tratam suas posses como dádivas de Deus, e por isso  são gratos, e são generosos. Mas o dinheiro que doam aos outros, na verdade entregam nas mãos de Deus. Para essas pessoas,contribuir é adorar.

Ed Rene Kivitz


sexta-feira, 5 de outubro de 2012

ESCRAVOS MODERNOS


O historiador Theodore Zeldin, em seu livro “Uma História Íntima da Humanidade”, vê a história como meio para interpretar as experiências pessoais e emocionais. Um de seus personagens é uma mulher frustrada com a vida e com sua incapacidade de mudar sua realidade. Ela se vê presa num sistema. Zeldin mostra que a escravidão, no passado, foi sustentada por três razões principais. A primeira foi o medo. As pessoas aceitavam os sofrimentos e humilhações impostos por reis e senhores porque tinham medo da morte e das consequências de uma liberdade sem segurança. Para ele “o medo sempre foi mais poderoso que o desejo de liberdade”.
A segunda razão é que os seres humanos tornaram-se escravos voluntariamente. A forma de se escapar da responsabilidade que a realidade impõe é sujeitar-se a algum tipo de dominação. A terceira é que o escravo do passado é, surpreendentemente, o ancestral do executivo e burocrata de hoje. No passado, os homens livres, que eram parte de uma pequena elite, não trabalhavam, consideravam indigno trabalhar para os outros. Somente os escravos trabalhavam.
De certa forma, a escravidão continua. No passado, famintos vendiam seus corpos como escravos; hoje o corpo continua sendo oferecido como mercadoria para pagar aluguel e colocar comida na mesa. No passado, os escravos trabalhavam em troca de comida, roupa e moradia; hoje uma grande massa de operários trabalha e mal consegue pagar pela comida, roupa e moradia. Executivos trabalham doze horas por dia, às vezes sete dias por semana, para manter algum acionista milionário em seu iate no Mediterrâneo. É claro que recebem um bom salário pelo trabalho, mas no passado os escravos mais sofisticados também eram pagos. Segundo Zeldin, no passado muitos escravos se faziam eunucos e abriam mão de ter uma família para se dedicarem aos seus senhores. Hoje muitos profissionais não querem ter filhos e sacrificam suas famílias em nome da carreira.
A liberdade não consiste num conjunto de leis que garantem algum direito, nem na ilusão de que ser livre é fazer o que deseja. Mesmo sabendo que tenho o direito de ir e vir, pesa sobre mim a escolha do lugar para onde quero ir e quando devo voltar. Mesmo sendo livre para fazer o que desejar, pesarão sobre mim as consequências do meu desejo.
Não somos livres, pelo menos não no sentido que muitos apregoam. Os adultos trabalham -- e trabalham para alguém, mesmo quando são donos do seu negócio. Qualquer escolha livre implica a renúncia de outras possibilidades. E isso limita a liberdade. Talvez a nossa única liberdade seja a de escolher a quem servir. 
A condição de escravos traz sempre algum tipo de frustração. Numa cultura narcisista, o fracasso é inaceitável e a realidade, insuportável. No entanto, todos nós fracassamos, e a realidade, quase sempre, é dolorosa. As frustrações são fruto de nossas limitações -- limitações que insistimos em não aceitar.
“Negar a morte, não visitar os cemitérios, não vestir luto, tudo isto parecia uma afirmação da vida, e de fato o foi em certa medida. Mas, paradoxalmente, acabou se transformando numa armadilha, mais uma das muitas que a sociedade moderna fabricou para que o homem não sinta as situações limite, aquelas em que nosso mundo desaba, as únicas capazes de nos despertar desta inércia que nos move” -- observou o escritor argentino Ernesto Sábato (1911-2011).
A consciência de quem somos e quem Deus é nos ajuda a lidar com o dilema da escravidão e das frustrações. Reconhecer que somos pecadores e que vivemos num mundo marcado pela queda nos ajuda a aceitar os espinhos da vida e o lugar do suor para ter o pão de cada dia. Reconhecer Deus, em seu Filho Jesus Cristo, nos ajuda a perceber que somente um ser totalmente livre pode oferecer liberdade. Seguir a Cristo é colocar-se sob a autoridade do único que pode nos conduzir no caminho da liberdade. É por isso que Jesus afirma: “Se o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres”.  
A escravidão moderna não pode ser simplesmente abolida. A solução estaria em se ter a coragem de escolher a quem servir. Jesus disse: “Não podeis servir a Deus e às riquezas”. É impossível agradar a ambos. Somente as escolhas feitas por amor refletem a liberdade humana.


Pr.Ricardo Barbosa de Sousa 
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