terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O REINO DE DEUS

Seguir a Jesus é uma atitude corajosa, que exige renúncia e determinação. O Reino de Deus, verdadeiramente, não é daqui. Os seus valores não são os do mundo. Ao contrário, os valores enaltecidos no Reino são desprestigiados e repudiados por nossa sociedade.
No Magnificat de Maria, ela declara sua esperança em relação ao novo reino que se apresentava:
“Porque me fez grandes coisas o Poderoso; e santo é seu nome.
E a sua misericórdia é de geração em geração sobre os que o temem.
Com o seu braço agiu valorosamente; dissipou os soberbos no pensamento de seus corações.
Depôs dos tronos os poderosos, e elevou os humildes.
Encheu de bens os famintos, e despediu vazios os ricos.” (Lc. 1.49-53)
A vinda do Deus encarnado à terra marcou a instauração do Seu Reino não apenas na Palestina, mas em todo lugar que tiver a presença de cada um de seus seguidores.Afinal, ele existe primeiramente dentro de cada um de nós.
O Seu Reino não determinou somente uma nova ordem social, como também estabeleceu novos conceitos morais, espirituais e relacionais. Revolucionou a sociedade da época e todas as épocas que vieram após sua vinda.
Assim sendo, as declarações de Jesus devem encontrar lugar em nossos corações e em nossos atos para que promovam mudança no mundo.
O Senhor elogiou a viúva pobre que dera todo o seu sustento, apesar de serem apenas duas moedas. Considerou “próximo” o samaritano, desprezado historicamente pelos judeus. Desvalorizou a religiosidade do jovem rico, mostrando que o entendimento da lei ultrapassava as aparências. Declarou felizes os mansos, injustiçados, perseguidos, puros e aqueles que choram. Ensinou o perdão, a renúncia e a misericórdia. Amou os pecadores e os desprezados. Por isso, e muito mais, enfureceu os judeus, que sentiram-se afrontados e ameaçados pela grandeza e veracidade de suas afirmações e atitudes.
Somos, igualmente, como discípulos de Cristo, convidados a revolucionar a sociedade, a não seguir os seus padrões. Afinal, pertecemos ao Reino de Deus, um reino que tem Jesus no comando, cujas regras e leis não se dobram ao poder, conhecimento e riqueza humanos.
O Reino, ao contrário, é regido pelo amor, justiça e misericórdia; requer que nos esvaziemos de nós mesmos e nos submetamos ao Senhor, que caminhemos a segunda milha e ofereçamos a outra face. Exige que nossa vida seja o testemunho vivo do senhorio de Cristo.
Fazer parte do Reino de Deus é ser o sal da terra e a luz do mundo, ser daqueles que não se dobram e “têm alvoroçado o mundo, ... estes procedem contra os decretos de César, dizendo que há outro rei, Jesus.” (At. 17.6,7)

Rosane Itaborai Moreira

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

MUITO OBRIGADO

A gratidão é uma virtude. Virtude é aquilo que não nos é natural, mas por alguma razão encontrou espaço dentro de nós e, de vez em quando, transborda em gesto na direção dos que nos rodeiam. Não somos, na verdade – e digo por mim –, naturalmente gratos. Os leprosos curados foram dez, mas apenas um voltou para agradecer. Mais naturalmente nos atiramos a desfrutar o presente do que a reconhecer a dádiva de que fomos alvo. Também não nos é natural o reconhecimento de que somos o que somos como resultado de muito investimento imerecido.
Desde o ventre, lugar primeiro de nossa parasitagem existencial, carregamos na alma a tendência de receber o máximo e doar o mínimo, alguns de nós, inclusive, acreditando que os outros têm obrigação de doar sempre. Poucos são os que sabem que não se bastam, que não conseguiriam sobreviver, crescer, amadurecer, florescer e frutificar para a vida sem o esforço, não poucas vezes anônimo e na maioria das vezes não reconhecido, daqueles que nutrem, ensinam, perdoam, perseveram na relação afetiva, subsidiam, compartilham riquezas e transferem créditos. É mais comum encontrarmos em nós mesmos a propensão à vaidade e ao orgulho de quem imagina que está onde está por mérito, esforço pessoal, trabalho árduo e um pouco mais de dedicação do que a daqueles que não chegaram tão longe. Preferimos encarar a vida como conquista, mais do que como dádiva. Temos o que temos porque fizemos por onde, fulano não fez mais que a obrigação, dinheiro não cai do céu, sucesso só vem antes de trabalho no dicionário, e outras expressões, que pululam a mente e o coração dos ingratos.
A gratidão é uma virtude porque acontece somente depois de olharmos para trás e para os lados, e encontrarmos olhares e semblantes de tanta gente que nos abriu portas, ofereceu suporte, caminhou conosco até mesmo em sacrifício de suas próprias aspirações e esperanças. Também é verdade que são raras as pessoas que nos tratam assim. Predomina nas relações a superficialidade dos sorrisos cosméticos, a mesquinhez dos interesses egoístas, a ganância pela vantagem unilateral e o vício da negociação constante. A maioria dos que nos rodeiam não funciona na perspectiva da relação compassiva e solidária, mas da negociação – é dando que se recebe, e quando não há possibilidade de receber de volta nem lucrar, então não há razão para doar.
A gratidão é possível após a experiência da gratuidade: o favor que não é explicado senão pela boa vontade de quem favorece, sem qualquer merecimento do favorecido. De vez em quando, somos invadidos por esse senso de gratuidade: uma alegria que nos faz tremer e imaginar o que teríamos feito para merecer tamanha beatitude; um êxtase que nos arrebata, deixando a indelével lembrança que nos sustenta por dias a fio, mesmo tendo durado poucos segundos; um contentamento que se instala sorrateiro e que nos abraça, no abraço de alguém que amamos; uma quase vergonha de sermos tão bem cuidados pela vida, pelos outros, por Deus, na certeza de que o que experimentamos não se explica pelo princípio da causa e efeito, pois sabemos quem somos e sabemos que desfrutamos de muito mais do que deveríamos desfrutar. A gratidão é também a expressão de uma consciência que foi apoderada pela convicção de ter sido favorecida com abundância tal que jamais poderá ser recompensada. Tem coisa que não há como pagar e, nessas horas, tudo o que se pode fazer é agradecer e sorver o prazer.
Por essas e outras é que aprendi a dizer muito obrigado. Não sei se sou grato, mas pelo menos aprendi a agradecer. Sigo meu caminho dizendo a todos muito obrigado, na esperança de que um dia, de tanto expressar gratidão, Deus me conceda de fato um coração grato. Muito obrigado.

Ed René Kivitz

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

SER NOVA CRIATURA

"Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gálatas 2.20). É assim que Paulo, resumidamente, descreve o que aconteceu desde o dia em que Cristo se revelou a ele no caminho de Damasco. A cruz de Cristo se estendeu até ele e lá, onde Jesus foi crucificado, ele também foi. Na morte de Cristo, ele também morreu para o seu “velho homem”; e, na ressurreição de nosso Senhor, ele também ressurgiu para uma vida nova, para o “ser nova criatura”. Agora, ele reconhece que o “velho Saulo” já não vive mais, mas é Cristo que vive pelo poder do Espírito Santo nele. Trata-se de uma nova vida, efetuada agora pela fé em Cristo e naquilo que Cristo fez por ele. Isto é o que chamamos de conversão.
A conversão de Paulo tem uma história. Toda conversão, aliás, tem sua história. Ela envolve o que ele era antes, o que aconteceu e aquilo em que se tornou. Antes, Paulo era um judeu zeloso, inteligente, responsável que, segundo ele mesmo, encontrava-se acima da média dos seus colegas e buscava guardar as tradições dos seus antepassados. Paulo era um homem íntegro, coerente com tudo aquilo que cria, a ponto de se lançar numa perseguição aos cristãos por considerá-los uma ameaça à pureza da religião judaica, da qual era fiel defensor. Foi assim que ele viveu durante muitos anos.
Um dia, Saulo foi para Damasco, levando consigo uma autorização dos seus superiores dando-lhe poderes para prender ou fazer o que fosse necessário, dentro do que a lei permitia, com os cristãos daquela cidade. Durante a viagem, por volta do meio-dia, uma luz brilhou com uma intensidade tão grande que jogou ele e seus colegas no chão. Ali, então, ouviu uma voz que lhe disse: “Saulo, Saulo, porque você está me perseguindo? Resistir ao aguilhão só lhe trará dor!” Ele respondeu: “Quem és tu, Senhor?” Então ouviu a resposta que dizia: “Sou Jesus, a quem você está perseguindo”. Naquele momento em que Cristo se revelou, Paulo reconheceu que tudo aquilo que pensava ser o certo, que toda a sua religiosidade que fez dele um homem tão íntegro e responsável, na verdade estava levando-o para um caminho completamente oposto ao de Deus. Ele que pensava ser um grande amigo do Senhor, fazendo o melhor que podia para preservar a pureza daquilo que cria ser sua vontade; de uma hora para outra, vê-se como inimigo de Deus ao ouvir de Cristo: “Sou Jesus, a quem você está perseguindo”. Este encontro transformou radicalmente, e para sempre, a vida de Paulo. Enquanto se encontrava ainda no chão, Jesus continuou dizendo a ele: “Agora, levante-se, fique em pé. Eu lhe apareci para constituí-lo servo e testemunha do que você viu a meu respeito e do que lhe mostrarei”. Paulo levantou-se para iniciar uma nova jornada, uma nova vida, uma nova missão. Depois de passar três anos na Arábia, ele volta para Jerusalém e inicia seu longo ministério, proclamando as boas novas do Evangelho de Cristo ao mundo. Paulo tinha uma vida como todos nós. Era um homem íntegro, zeloso e coerente com suas convicções, como alguns de nós. No entanto, quando Cristo se revelou a ele como Filho de Deus, Salvador, ele se entregou completamente. As coisas velhas ficaram para trás; suas velhas ambições foram abandonadas; seus velhos princípios, valores e conceitos, também deixados para trás. Não era mais o mundo quem determinava o que era o certo ou o errado – nem mesmo sua consciência tinha a última palavra. O que lhe importava a partir de então era Cristo, sua palavra, sua cruz, sua ressurreição, sua vontade.
Temos perdido este conceito tão central e fundamental da conversão. O Cristo que queremos servir não é mais aquele que se revela, mas um que nós criamos a partir daquilo que nos interessa. Não somos mais convertidos a ele, mas é ele quem se converte a nós. A vida cristã não significa mais o “ser nova criatura”, mas permanecer sendo a mesma criatura, apenas com um leve toque de verniz religioso. Não queremos deixar nada para trás; não pretendemos nos despir do “velho homem” com suas manias, vícios, pecados e hábitos imorais; não queremos abrir mão das ambições mesquinhas; muito menos, das vaidades infantis. Não é mais a voz de fora que fala conosco, mas uma voz de dentro, uma voz que nasce do medo, das inseguranças e dos desejos confusos e neuróticos que definem a natureza da fé.
Precisamos recuperar o significado de dizer: “Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”. Precisamos voltar a viver pela fé no Filho de Deus, e não pelos impulsos da nossa natureza caída ou atraídos pelo fascínio de uma cultura que nega a cruz de Cristo.
Precisamos reconhecer mais uma vez que o chamado de Cristo envolve a renúncia e a radicalidade de um discipulado no qual o Filho de Deus permenece sendo o Senhor da Igreja. Num cenário de esvaziamento ético e frouxidão moral, os cristãos são chamados mais uma vez a dar testemunho de esperança através de uma vida comprometida com os propósitos de Deus para sua criação. A sobrevivência da humanidade dependerá da integridade daqueles que sustentam o testemunho da graça de Deus.

Pr. Ricardo Barbosa de Souza