quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Tempo que foge!

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não vou mais a workshops onde se ensina como converter milhões usando uma fórmula de poucos pontos. Não quero que me convidem para eventos de um fim-de-semana com a proposta de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos parlamentares e regimentos internos. Não gosto de assembléias ordinárias em que as organizações procuram se proteger e perpetuar através de infindáveis detalhes organizacionais.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos. Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de “confrontação”, onde “tiramos fatos à limpo”. Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário do coral.
Já não tenho tempo para debater vírgulas, detalhes gramaticais sutis, ou sobre as diferentes traduções da Bíblia. Não quero ficar explicando porque gosto da Nova Versão Internacional das Escrituras, só porque há um grupo que a considera herética. Minha resposta será curta e delicada: – Gosto, e ponto final! Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: “As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos”. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos.
Já não tenho tempo para ficar dando explicação aos medianos se estou ou não perdendo a fé, porque admiro a poesia do Chico Buarque e do Vinicius de Moraes; a voz da Maria Bethânia; os livros de Machado de Assis, Thomas Mann, Ernest Hemingway e José Lins do Rego.
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita para a “última hora”; não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja andar humildemente com Deus. Caminhar perto dessas pessoas nunca será perda de tempo.
Soli Deo Gloria.

Pr. Ricardo Gondim
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sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A Arte de Não Adoecer

Se não quiser adoecer – “Fale de seus sentimentos”.
Emoções e sentimentos que são escondidos, reprimidos, acabam em doenças como: gastrite, úlcera, dores lombares, dor na coluna… Com o tempo a repressão dos sentimentos degenera até em câncer. Então vamos desabafar confidenciar, partilhar nossa intimidade, nossos segredos, nossos pecados. O diálogo, a fala, a palavra, é um poderoso remédio e excelente terapia.
Se não quiser adoecer – “Tome decisão”
A pessoa indecisa permanece na dúvida, na ansiedade, na angústia. A indecisão acumula problemas, preocupações, agressões. A história humana é feita de decisões. Para decidir é preciso saber renunciar, saber perder vantagem e valores para ganhar outros. As pessoas indecisas são vítimas de doenças nervosas, gástricas e problemas de pele.
Se não quiser adoecer – “Busque soluções”
Pessoas negativas não enxergam soluções e aumentam os problemas. Preferem a lamentação, a murmuração, o pessimismo. Melhor é acender o fósforo que lamentar a escuridão. Pequena é a abelha, mas produz o que de mais doce existe. Somos o que pensamos. O pensamento negativo gera energia negativa que se transforma em doença.
Se não quiser adoecer – “Não viva de aparências”
Quem esconde a realidade finge, faz pose, quer sempre dar a impressão que está bem, quer mostrar-se perfeito, bonzinho etc., está acumulando toneladas de peso… uma estátua de bronze, mas com pés de barro. Nada pior para a saúde que viver de aparências e fachadas. São pessoas com muito verniz e pouca raiz. Seu destino é a farmácia, o hospital, a dor.
Se não quiser adoecer – “Aceite-se”
A rejeição de si próprio, a ausência de autoestima, faz com que sejamos algozes de nós mesmos. Ser eu mesmo é o núcleo de uma vida saudável. Os que não se aceitam são invejosos, ciumentos, imitadores, competitivos, destruidores. Aceitar-se, aceitar ser aceito, aceitar as críticas, é sabedoria, bom senso e terapia.
Se não quiser adoecer – “Confie”
Quem não confia, não se comunica, não se abre, não se relaciona, não cria liames profundos, não sabe fazer amizades verdadeiras. Sem confiança, não há relacionamento. A desconfiança é falta de fé em si, nos outros e em Deus.
Se não quiser adoecer – “Não viva sempre triste”
O bom humor, a risada, o lazer, a alegria, recuperam a saúde e trazem vida longa. A pessoa alegre tem o dom de alegrar o ambiente em que vive. “O bom humor nos salva das mãos do doutor”. Alegria é saúde e terapia.”

Dr. Dráuzio Varela

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sábado, 19 de outubro de 2013

A Paz do Contentamento

Quanto é necessário para se sentir pleno, realizado? O que precisamos para vivermos contentes? Por que vivemos num estado crônico de descontentamento? O casamento nunca é bom o suficiente, o salário está sempre aquém das nossas necessidades, o corpo sempre tem uns quilinhos a mais, e por aí vai. Porém, a pergunta que sempre fazemos e que não temos resposta é: Qual o limite? Quanto é necessário para estar contente?
Somos incapazes de lidar com o sucesso e o fracasso, com as conquistas e derrotas. Não compreendemos o significado da espera, o valor da frustração. Temos grande dificuldade de nos ajustar às mudanças, principalmente quando elas nos colocam, mesmo que temporariamente, em situações difíceis.
A carta que Paulo escreve aos cristãos de Filipos apresenta um dos testemunhos mais eloquentes sobre paz do contentamento. Sua experiência em Filipos não foi nada agradável. Apesar da conversão de Lídia e a libertação de uma jovem que era abusada comercialmente por homens inescrupulosos, Paulo foi preso e açoitado. Algum tempo depois, preso em Roma, ele escreve esta carta de gratidão. No entanto, o espírito de Paulo não encontrava-se preso. Muitas vezes, é de dentro de uma prisão que descobrimos nossa verdadeira liberdade.
Paulo era um homem livre. Não apenas livre, ele era um homem contente, realizado e em paz. A declaração que demonstra a liberdade que ele gozava é de uma grandeza sem precedentes: “Digo isto, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez” (Fp 4.11 e 12). Viver contente em qualquer situação é uma realidade possível.
É interessante notar que várias palavras tomam outro significado quando incluímos Deus nelas. A palavra que Paulo usa para contentamento é “autarkeia”, da mesma raiz da palavra “autarquia”, que significa “suficiência própria”, “autossatisfação”. Um amigo meu da Marinha disse que quando uma esquadra sai para uma missão, eles chamam de “autarquia” – eles têm tudo o que necessitam para aquela missão. Para Paulo, a autossuficiência, ou autossatisfação, não diz respeito a algum estado de independência, mas uma consciência de que Deus sempre provê o necessário. Ele tem o que precisa, nem mais, nem menos.
Para Paulo, o contentamento (autarkeia) era esta capacidade dada por Deus de ter uma cosmovisão que incluía Deus e seus caminhos misteriosos; uma flexibilidade que o tornava mais aberto para aceitar novas dimensões da realidade. Este estado constante de contentamento veio através de um longo processo de aprendizado. Ele mesmo diz que “aprendeu a viver contente em toda e qualquer situação”. Como? Parece-me que duas disciplinas espirituais foram fundamentais neste longo caminho de aprendizado: oração e meditação.
A ansiedade sempre foi um grande obstáculo ao contentamento. Muitos encontram-se presos nas memórias do passado e nas incertezas do futuro. Enquanto nos debatemos com o passado e o futuro, o presente é dominado pela ansiedade. Como Paulo lida com isto? Ele ora. “Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus” (Fp 4.6 e 7). Em suas orações, Paulo suplica e agradece. A preposição “com” (súplica com ações de graças) une estes dois aspectos da oração.
Somos levados a ser gratos por aquilo que julgamos que é bom e suplicar por aquilo que julgamos não ser bom. Suplicamos por uma coisa e agradecemos por outra. Paulo não separa. Este é um princípio do contentamento: entrega confiante e gratidão constante. O contentamento nasce da certeza de que Deus sempre ouve e responde nossas súplicas. Teremos sempre o suficiente. Paulo estava privado de liberdade, mas tinha ampla suficiência em tudo. Suas experiências com a humilhação e pobreza não limitaram sua gratidão nem sua consciência de que Deus sempre provê tudo o que é necessário.
O resultado do longo exercício espiritual da súplica com gratidão fez com que Paulo experimentasse uma paz divina que é maior do que a lógica humana. Uma paz interior que envolve coração e mente em Cristo. Suas emoções, sentimentos, valores e conceitos estavam seguros em Cristo.
A prática da meditação foi outro recurso espiritual na formação de um espírito contente em Paulo. “Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento. O que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isso praticai; e o Deus da paz será convosco” (Fp 4.8 e 9). Paulo procurava ocupar sua mente com aquilo que é verdadeiro, justo, amável.
Uma das causas do descontentamento vem das mentiras que nossa mente abraça. Estamos cercados por elas. Estão presentes nos programas e propagandas na TV, nos debates políticos, nos outdoors. A mente de Paulo não se ocupava com estas coisas. O contentamento é fruto de um longo processo no qual nossas mentes são envolvidas num outro cenário de verdade, justiça e graça.
Além de meditar nas gloriosas e libertadoras verdades de Deus, ele também incentivava seus leitores a meditar e observar a vida dos santos. Convidava seus leitores a observarem suas palavras e seu comportamento. Em nossa cultura somos levados todos os dias a ouvir e aprender com celebridades fúteis, políticos inescrupulosos, religiosos vazios e vaidosos. Temos uma lista enorme de mulheres e homens que nos deixaram exemplos e palavras de grande inspiração e valor.
Este é o testemunho eloquente de Paulo: “aprendi a viver contente em toda e qualquer situação”. Noutras palavras: “aprendi a encontrar, dentro de mim, uma satisfação intensa e real no meio de qualquer situação”. Não era a riqueza ou a pobreza, nem a honra ou a humilhação que iriam determinar o estado do seu espírito, mas a consciência da suficiência da graça de Deus nele.

Pr. Ricardo Barbosa de Sousa

domingo, 15 de setembro de 2013

AMA E FAZ O QUE QUISERES

Os debates morais têm em suas entrelinhas a discussão a respeito das fontes de autoridade para a normatização do que é aceitável e permitido, o que deve ser coibido e proibido. Existem várias fontes normativas: as escolas filosóficas, a ciência, a racionalidade (modernidade) e a subjetividade (pós modernidade) humanas, a antropologia e as construções culturais, são exemplos de critérios que ao longo do tempo vêm sendo usados para a definição do certo e errado. Mas não há dúvidas de que os textos sagrados são a fonte por excelência para um grande contingente de pessoas, notadamente as inseridas nas tradições religiosas: a Torah para os judeus, a Bíblia para os cristãos, o Corão para os islâmicos.
A Bíblia não pode ser lida de maneira literal e estática. Suas orientações éticas devem ser atualizadas. É necessário identificar o momento histórico e os contextos social e cultural em que foram pronunciados, buscar a inteligência das orientações, e verificar como se aplicam em diferentes períodos e circunstâncias. 
Os conflitos entre as normatizações bíblicas e os dilemas éticos do mundo contemporâneo são cada vez mais complexos. O herói bíblico Josué, sucessor de Moisés e comandante responsável por conduzir o exército de Israel na posse da terra prometida, seria hoje condenado como criminoso de guerra acusado de crime contra a humanidade e genocídio, nos termos dos acordos internacionais, como a Convenção de Genebra e o Estatuto de Roma, que regem a Corte Penal Internacional, o Tribunal de Haya.
Caso o encontro entre o apóstolo Paulo e Onésimo ocorresse hoje, Filemon seria denunciado no Ministério Público e acusado do crime de exploração de trabalho escravo. Também seria impensável hoje em dia a condição da mulher nos tempos bíblicos, como por exemplo a situação em que Ló oferece suas duas filhas virgens para que sejam violentadas pela multidão e assim evitar evitar o assassinato xenófobo de hóspedes estrangeiros.
As leis reguladoras do divórcio também sofreram consideráveis ajustes ao longo dos tempos. Previsto na Torah, a Lei de Moisés, o divórcio era compreendido pela comunidade de Israel como um direito da mulher repudiada. O repúdio era o ato de rompimento do vínculo conjugal feito pelo homem insatisfeito com sua mulher. Ao oferecer carta de divórcio, o homem abria mão da posse da mulher com quem esteve casado – na sociedade patriarcal judaica a mulher era propriedade econômica do pai e depois do marido. A mulher repudiada sem carta de divórcio permanecia vinculada ao ex-marido (que sem a carat de divórcio não era considerado ex), e impedida de casar-se novamente. A carta de divórcio, portanto, foi uma orientação reparadora de uma injustiça e um ato de proteção da mulher vitimada pelos caprichos masculinos. Hoje, entretanto, na maioria das igrejas evangélicas ainda existe a crença de que “Deus odeia o divórcio”, quando na verdade “Deus odeio o repúdio que não se faz acompanhar da carta de divórcio”. Jesus era a favor do divórcio, uma vez que constava da Lei de Moisés. Apenas não era favorável ao divórcio “em qualquer situação”, e nesse caso se alinhava à visão conservadora do rabino Shammai, em detrimento da postura mais flexível do rabino Hilel. A sociedade contemporânea, chamada secular, por sua vez, sequer compreende o fato de que divórcio e novo casamento sejam tratados como tabús nas comunidades religiosas.
Estes poucos exemplos servem para demonstrar as razões da suspeita de que a Bíblia seja um livro desatualizado em termos de normatizações para a vida em sociedade. É necessário compreender, entretanto, que Jesus ressignifica a Lei de Moisés e eleva a régua do debate a respeito do certo e errado. Manter o debate nas categorias da Lei implica necessariamente a armadilha do farisaísmo do primeiro século: julgar a qualidade dos homens com base em comportamentos morais.
Sendo verdadeiro que a moral é o conjunto de práticas aceitas e incentivadas e reprovadas e coibidas de uma sociedade, a ética pode ser entendida como os critérios através dos quais são feitos os julgamentos morais. Por exemplo, a escravidão é inadmissível (costume/moral) pois todos os homens são iguais porque criados à imago Dei (princípio ético). A lei, por sua vez, é a regulamentação objetiva e formal da moral. Nesse caso, a escravidão não é apenas um costume (moral) inaceitável, justificado por um princípio (ética), como também crime (lei). 
Jesus, entretanto, vai além da lógica ética-moral-lei. Sua proposta para o discernimento do certo e errado extrapola os princípios da tradição  da filosofia e da teologia, confronta todas as práticas aceitas socialmente e exige a completa reinterpretação e ressignificação da senso comum social. Por essa razão cura no sábado, deixa de lavar as mãos antes das refeições, toca os impuros e se deixa tocar por eles, vive rodeado de pessoas de reputação duvidosa, impede a adúltera de ser apedrejada, e estabelece comunhão com estrangeiros, dentre outras atitudes escandalosas para sua sociedade e sua época, mas elogiadas nos dias de hoje como superação de fundamentalismos, preconceitos e intolerâncias. 
Para encontrar o caminho a seguir nas encruzilhadas dos dilemas éticos, morais e legais, Jesus propõe o amor. A vida humana é complexa demais para que todas as questões sejam resolvidas através de regras e leis. O ser humano é valioso demais para que seja tratado de acordo com a letra fria das leis e da impessoalidade das regras. A ética, a moral, e a lei devem servir de referência para as decisões e relações. Mas toda vez que tiverem a última palavra, a lógica de Jesus estará invertida, como se “o homem tivesse sido criado para o sábado”. Diante de um ser humano em conflito a respeito do certo e do errado, vale o amor. Eis o desafio aos cristãos contemporâneos: viver a proposta de Jesus, interpretada por Santo Agostinho: “ama e faz o que quiseres”. 

Pr. Ed René KIvitz
Revista Ultimato, Edição 343

domingo, 11 de agosto de 2013

CRENTE DE GAIOLA

Pássaro criado desde pequeno em gaiola, quando vê a porta aberta, o horizonte arreganhado, e o céu como um útero sem fim e sem limite — teme, não ousa sair, prefere a pequenez de alpiste garantido do que a experiência de ter asas e voar, de ter canto e com ele seduzir, de ter penas e com elas se cobrir na chuva, de ter amigos e com eles andar em bando solto, livre, moleque e alegre; passagardaianamente feliz como nem Manoel Bandeira jamais conseguiu passagardear.
Aqui à minha volta há centenas de pássaros livres, e que vêm pela comida e água que lhes dou; e, hoje, já pelo habito que neles desenvolvi.
Ficaram habituados à liberdade amiga e interdependente!
Também tenho outros sete pássaros, todos em gaiolas. Já abri a gaiola para eles, mas eles não querem ir.
Um ousou pular fora, mas, sem saber que voava, voltou.
Apenas um papagaio que me foi dado, e que eu via que sofria numa pequena gaiola, aceitou o convite, e, durante dois dias, ficou do lado de fora, habituando-se à liberdade, até que partiu...
Vendo esses pássaros, olhando o céu e a liberdade de ser, penso nos crentes de gaiola.
A Graça é o céu da liberdade, do cuidado do Pai, da dependência do amor, da entrega a Providencia.
A Graça é a Passagarda que não existe nas gaiolas e nem nos templos. Mas quem se habitou à gaiola, teme a vida, apavora-se ante a liberdade, e prefere um exator que doa alpistes em gaiolas-celas do que o cuidado de um amor limpo e livre, e que apenas adiciona aos cuidados do Pai, o cuidado de um irmão — meu, aos meus pássaros livres.
Há alguns que já não podem mais provar a liberdade. Tornaram-se tão enfraquecidos, embora o céu os agasalhe; tão sem vôo, embora tenham asas; tão incapazes de si mesmos, embora sejam únicos; tão apavorados ante o que lhes é natural embora voar lhes seja o andar; ou seja: ficaram tão não-pássaros — que a janela aberta, para entrar e sair lhes é ameaça e risco de morte.

Crente de gaiola! O Céu te chama! A Liberdade conclama tua alma!

O Pai quer cuidar de ti ao ar livre! Tu confias?

Nele,

Caio 


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terça-feira, 25 de junho de 2013

NOSSO PARADOXO E A NECESSIDADE DE DEMOCRACIA

O paradoxo (ou a ambiguidade) humano faz da democracia a melhor forma de governo jamais desenvolvida, pois, idealmente, a democracia reconhece tanto a dignidade como a depravação do ser humano.
Por um lado, ela reconhece nossa dignidade humana, pois se recusa a impor as pessoas que nos governarão sem o nosso consentimento. Ela nos deixa participar do processo de tomada de decisão. Ela nos trata com respeito, como adultos responsáveis.
Por outro lado, a democracia reconhece também a nossa depravação humana, quando se recusa a concentrar poder nas mãos de poucos, uma vez que isso não é seguro. Assim, faz parte da essência da democracia dividir o poder e proteger os governantes de si mesmos. Como Reinhold Niebuhr afirma, “a capacidade do homem para praticar a justiça torna a democracia possível; mas a inclinação do homem para a injustiça torna a democracia necessária”.1

John StottPor Que Sou Cristão, p 84.

Nota:1. NIEBUHR, Reinhold. The Children of Light and the Children of Darkness; A Vindication of Democracy and a Critique of its Traditional Defenders. Nisbet, 1945. p.vi.

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sábado, 20 de abril de 2013

O BEM

Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão nosso de cada dia dá-nos hoje; e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores; e não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém!
Quando rogamos por sermos livres do mal, denunciamos um conhecimento: o mal é presente, dominante e ameaçador. E reconhecemos que somos responsáveis pelo bem, uma vez que podemos pedir ajuda para vencer a maldade.
O mal, porém, é como a escuridão: assim como a escuridão só é possível pela falta da luz, e, só assim, se torna dominante, a presença do mal só é possível pela ausência do bem.
Quando rompemos com o DEUS do Universo, tornamo-nos a antítese de tudo o que ele decidira que seríamos: ao invés de nos mantermos como refletores da vida do DEUS, demos ao mal, que só existia como teoria, presença histórica.
O mal se tornou o conteúdo de nossa natureza, de modo que, não tivesse, o DEUS, nos emprestado algo da sua bondade, o mal seria o único conteúdo a dar o tom de nossa vida, e por ele seríamos plenamente dominados e minados, sem possibilidade de reação, porque um dos efeitos domínio do mal é a perda da lucidez.
Portanto, pedir que sejamos livres do mal é, a partir da lucidez que a bondade, emprestada por Deus, concede, pedir por vitória sobre a nossa natureza e sobre o adversário de nossas almas.
Meditação: O mal se tornou uma realidade em nossa história, graças à nossa rebelião. Mas, o DEUS o contrapôs em nós pelo empréstimo de sua bondade.
Oração: Senhor, reconheço o mal em mim, mas, também, reconheço a tua bondade impedindo que minha maldade dê o tom de minha existência. Agradeço e louvo-te por não teres nos abandonado aos efeitos de nossa rebelião.

Pr. Ariovaldo Ramos
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quarta-feira, 3 de abril de 2013

O QUE VEM DEPOIS DA GRAÇA?

Cresci ouvindo amigos de formação dispensacionalista afirmando que o tempo da lei passou e que agora vivemos o tempo da graça. Eles diziam que o Antigo Testamento, com suas leis e mandamentos, dera lugar ao Novo Testamento, em que tudo se resume no amor de Deus, um amor sem exigências, que nos aceita como somos; que o Deus justo e temível da antiga dispensação dera lugar ao Jesus manso e misericordioso da nova dispensação. Um tipo de evolucionismo divino.
O dispensacionalismo foi muito criticado e combatido. No entanto, o que vemos hoje é o seu reconhecimento, não apenas pelos que creem nas diferentes dispensações na história da salvação, mas, sobretudo, pelos cristãos pós-modernos, que rejeitam mandamentos, leis ou qualquer chamado à obediência. O que importa é o amor. É preciso sentir-se amado para então amar. É preciso sentir-se aceito para então obedecer. O problema é que nunca se sentem suficientemente amados ou aceitos.
No livro “Uma Força Medonha”, C. S. Lewis descreve um diálogo entre Ranson e Jane sobre casamento. Ela achava difícil confiar no marido porque sentia que já não o amava mais. Ranson então lhe diz: “A senhora não deixou de obedecer por falta de amor, mas perdeu o amor porque nunca tentou obedecer”. A relação entre o amor e a obediência é intensa e vital. Jesus também afirmou: “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama” (Jo 14.21).
A ruptura que muitos cristãos fazem entre o Antigo e o Novo Testamento, entre lei e graça, entre mandamento e amor, compromete tragicamente a formação do caráter cristão. O processo que envolve o crescimento e o amadurecimento cristão requer obediência consciente e diligente. Uma passagem bíblica que expressa bem isto está em 2 Pedro 1.4-7: “[...] ele nos deu as suas grandes e preciosas promessas, para que por elas vocês se tornassem participantes da natureza divina e fugissem da corrupção que há no mundo [...]. Por isso mesmo, empenhem-se para acrescentar à sua fé a virtude, à virtude o conhecimento; ao conhecimento o domínio próprio [...]”.
As promessas foram cumpridas em Cristo. O propósito de Deus para o ser humano foi revelado. O caminho do crescimento espiritual foi escancarado com a vida, morte e ressurreição de Cristo. Maturidade cristã é tornar-se participante da natureza divina, revelada em Cristo. É por causa disso que devemos abandonar a corrupção que existe no mundo e nos entregar, deliberadamente, às virtudes, ao domínio próprio, à perseverança e a tudo o que nos leva a ser semelhantes a Cristo.
É possível fazer isto sozinho? Não. Jesus afirmou: “[...] sem mim nada podeis fazer” (Jo 15.5). Somente a graça de Deus pode realizar isto em nós. Porém, se eu nada fizer, nada será feito. É aqui que a obediência e o amor se encontram na experiência da fé. Os mandamentos de Deus não são uma negação de sua graça e amor, são sua afirmação. É a obediência aos mandamentos que nos leva a experimentar o amor divino.
Pedro afirma que precisamos nos empenhar para acrescentar à nossa fé a virtude, o domínio próprio, a perseverança, a piedade, a fraternidade e o amor. Sou eu que tenho de me empenhar. A responsabilidade é minha. Ninguém fará isto por mim. Consigo fazer isto por conta própria? Não. Preciso da graça de Deus. Contudo, se eu não me esforçar para fazer, nada será feito.
A formação do caráter cristão requer uma experiência intensa e poderosa com a graça de Deus. Deus, em Cristo, nos revelou seu amor, cumprindo por meio dele todas as promessas. Fomos salvos, regenerados e transportados do império das trevas para o seu reino de amor, justiça e paz. O caminho foi trilhado por ele, ele é o primogênito da nova criação. Sua vida consistiu em fazer a vontade do Pai e realizar a sua obra.
A formação do caráter cristão requer a mesma obediência aos mandamentos de Deus. Um cristão passivo e apático jamais experimentará o real significado da graça divina e, mais cedo do que imagina, perceberá a fragilidade de seu amor por Deus. Não deixamos de obedecer a Deus por falta de amor, deixamos de amá-lo por não obedecer-lhe.

Pr. Ricardo Barbosa de Sousa
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segunda-feira, 11 de março de 2013

TUDO EM COMUM


No livro dos Atos dos apóstolos há um pequeno trecho que descreve de forma magnífica a natureza e qualidade de vida da primeira comunidade cristã em Jerusalém (At 2.41-47). A descrição é fascinante, impressiona qualquer um que a lê, até mesmo os mais céticos e descrentes. O que vemos ali é o reino de Deus em ação, a concretização da oração que Cristo ensinou: “Venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu...”. 
Este relato contrasta com a história de uma outra comunidade (Gn 11.4), que decidiu construir uma torre que alcançasse os céus e fizesse seus nomes célebres e famosos. Falavam a mesma língua e tinham um projeto em comum, mas, em vez de criarem uma comunidade, criaram um altar para sua auto-exaltação. Este relato da Torre de Babel está presente na vida de todos nós. Na educação, política, trabalho e nos púlpitos de nossas igrejas, todos nós estamos construindo nossas torres, empenhados em tornar nossos nomes célebres. Queremos construir nosso próprio reino. 
O Pentecostes tornou possível o reino de Deus entre nós. O povo de Atos 2 começa a viver o seu êxodo, dá os primeiros passos rompendo com o jeito que se vivia no “Egito” para viver o novo jeito ensinado por Cristo, e faz isto de forma natural e sincera, impulsionado pelo chamado de Cristo e pelo poder do Espírito Santo. A promessa do Espírito não foi para que os primeiros cristãos tivessem poder para se autopromoverem, mas para reafirmarem os feitos e o caráter de Cristo. Era um novo tipo de comunidade que nascia de um novo tipo de pessoa. Muitas vezes queremos uma igreja diferente que nos faça diferentes, mas não queremos ser pessoas diferentes que constroem uma comunidade diferente. 
O relato de Atos nos diz que eles “perseveravam na doutrina dos apóstolos…”, que “diariamente perseveravam unânimes no templo”. Alguns tinham largado tudo e dedicado dois anos e meio de suas vidas para seguirem a Cristo. Eles permaneceram em Jerusalém da ascensão até o Pentecostes aguardando a promessa do Espírito. Era uma comunidade de cristãos disciplinados. A graça não se opõe à disciplina; pelo contrário, é a disciplina espiritual que sinaliza nosso desejo espiritual. A igreja sofre quando tentamos viver sob a direção do Espírito Santo, mas sem disciplina, como também sofre quando tentamos viver com disciplina, mas sem o Espírito Santo. 
Era uma comunidade totalmente comprometida em tornar Jesus Cristo conhecido. Tudo nela apontava para Cristo. Suas orações, o partir do pão, o cuidado que tinham para com os outros, sua pregação e seu testemunho, a alegria da comunhão, a renúncia dos bens, enfim, tudo em suas vidas e ações apontava para Cristo. 
O Êxodo continua. Estamos a caminho do céu. O testemunho dos dois varões vestidos de branco foi: “Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir” (At 1.11). O mesmo Jesus que viveu entre nós, morreu pelos nossos pecados e ressuscitou para nossa esperança vai voltar e estabelecer definitivamente seu reino entre nós. Enquanto isto, somos chamados para ser sal da terra, luz do mundo e ovelhas no meio de lobos. Olhamos para o mundo, cultura, família, juventude, infância, guerra, drogas, prostituição, violência, desesperança, solidão, desespero, e percebemos que a humanidade precisa urgentemente de uma nova esperança. 
O problema é que, quando olhamos para a comunidade de Jerusalém, reconhecemos, lá no fundo, um sentimento ambíguo. É um modelo de comunidade que admiramos, mas não queremos. Admiramos o amor sacrifical deles, mas não é este o tipo de amor que buscamos. Admiramos sua vida abnegada, mas não estamos dispostos a abrir mão do que temos por amor ao próximo. Achamos extraordinário o fato de que tinham tudo em comum, mas não abrimos mão de nosso individualismo. Confessamos a doutrina dos apóstolos, mas a negamos na prática. No fundo, não queremos uma comunidade assim. Mas ela é possível e o mundo anseia por ela. 

Pr Ricardo Barbosa de Sousa

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

GENEROSIDADE, O FUNDAMENTO DA PROSPERIDADE



A generosidade é o caminho da prosperidade. Quando abrimos o coração e as mãos para socorrer os aflitos, Deus abre sobre nós as janelas dos céus. A generosidade e não a usura é a fonte da verdadeira prosperidade. Vejamos três aspectos da generosidade cristã:

Em primeiro lugar, a generosidade é uma semeadura que produz farta colheita. A Palavra de Deus diz: "A quem dá liberalmente, ainda se lhe acrescenta mais e mais; ao que retém mais do que é justo, ser-lhe-á pura perda" (Pv 11.24). Na economia de Deus, você tem o que dá e perde o que retém. O dinheiro é como uma semente, só se multiplica quando é semeado. A semente que se multiplica não é a que comemos nem a que guardamos, mas a que semeamos. A semeadura generosa terá uma colheita farta, pois quem dá liberalmente, ainda se lhe acrescenta mais e mais. É o próprio Deus quem multiplica a nossa semente e faz prosperar a nossa sementeira, quando abrimos a mão para abençoar. Mãos abertas produzem bolsos cheios. O contrário, também, é verdadeiro. Ao que retém mais do que é justo, ser-lhe-á pura perda. Vasa entre os dedos. É como receber salário e colocá-lo num saco furado. Aqueles que acumulam com avareza o que poderia socorrer o aflito, descobre que esse dinheiro acumulado não pode lhes dar felicidade nem segurança. Aqueles que ajuntaram fortunas e viveram no fausto e no luxo, deixando à míngua o próximo à sua porta, descobrem que, quando a morte chegar, não poderão levar sequer um centavo. Não há caminhão de mudança em enterro nem gaveta em caixão. Mas aquilo que você dá com generosidade, é como uma semente bendita que se multiplica e alimenta a milhares.

Em segundo lugar, a generosidade é uma dádiva que produz prosperidade. A Palavra de Deus é clara em afirmar: "A alma generosa prosperará, e quem dá a beber será dessedentado" (Pv 11.25). A prosperidade não é resultado da usura, mas da generosidade. A avareza é a mãe da pobreza, mas a generosidade é a genetriz da prosperidade. Aqueles cujos corações foram abertos por Deus, têm mãos e bolsos abertos para socorrer os necessitados. Jesus Cristo disse que mais bem-aventurado é dar do que receber. A contribuição não é um favor que fazemos às pessoas, mas uma graça que recebemos de Deus. Quando abrimos a mão para ofertar estamos investindo em nós mesmos e semeando em nosso próprio campo. Quem dá ao pobre empresta a Deus e ele jamais fica em débito com ninguém. Deus multiplica a sementeira daquele que semeia na vida dos seus irmãos. Quem dá alívio aos outros, alívio receberá. Quando damos a beber a quem tem sede, dessedentamos a nós mesmos. O bem que fazemos aos outros, retorna para nós em dobro.

Em terceiro lugar, a generosidade é um empréstimo a Deus, que a ninguém fica devendo. A Palavra de Deus é enfática: "Quem se compadece do pobre ao Senhor empresta, e este lhe paga o seu benefício" (Pv 19.17). Deus sempre demonstra um cuidado especial aos pobres. Deus, porém, faz tanto o rico quanto o pobre. Se o pobre é um mistério divino, o rico tem um ministério divino. O rico não deve acumular sua riqueza com avareza, mas distribui-la com generosidade. Deve ser rico de boas obras e ter consciência de que, o que recebe de Deus com abundância, deve ser compartilhado com generosidade. Isso é como emprestar a Deus, pois Deus é o fiador do pobre. Deus nunca fica em dívida com ninguém. Ele não dá calote. Sua justiça é perfeita e sua misericórdia não tem fim. Ele é a fonte de todo o bem. Tudo o que temos e somos vem de Deus. Riquezas e glórias vêm das suas mãos. É ele quem multiplica a nossa sementeira para continuarmos semeando na vida do nosso próximo. É ele quem nos faz prosperar como fruto da generosidade. É ele quem nos paga em dobro tudo quanto ofertamos ao pobre.
Rev. Hernandes Dias Lopes 

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O EVANGELHO COMO SUPERAÇÃO DA RELIGIÃO


O evangelho é a superação da religião. O cristianismo é uma religião. O evangelho é, portanto, a superação do cristianismo. O silogismo proposto carece de esclarecimentos. Não pode ser compreendido sem uma adequada noção dos conceitos de evangelho e religião.
O sociólogo venezuelano Otto Maduro, em seu livro “Religião” e “Luta de Classes”, define religião como “conjunto de discursos e práticas, referente a seres anteriores ou superiores ao ambiente natural e social, em relação aos quais os fiéis desenvolvem uma relação de dependência e obrigação”.
A definição de Otto Maduro permite identificar dois importantes aspectos do fenômeno religioso: seus fundamentos e sua lógica. Quanto aos fundamentos, a expressão “conjunto de discursos e práticas” aponta para as bases da religião: discursos, ou dogmas – corpo doutrinário; rito, ou práticas litúrgicas; e tabu, ou códigos morais. Considerados esses fundamentos, o evangelho não pode ser classificado como religião.
Embora tenha suas doutrinas e afirmações dogmáticas, a essência do evangelho é o relacionamento com uma pessoa – Jesus Cristo –, e não com um “conjunto de crenças” racional e cartesianamente organizado: “Esta é a vida eterna: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (Jo 17.3). Em relação aos ritos e práticas litúrgicas, sabemos que o evangelho extrapola absolutamente o cerimonialismo religioso e torna obsoleto o debate a respeito de onde e como adorar a Deus, pois “Deus é espírito, e é necessário que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade” (Jo 4.24). A adoração legítima e autêntica é a consagração da vida como “sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rm 12.1), em detrimento do que se faz nos templos, até porque “Deus não habita em templos feitos por mãos humanas” (At 7.48), tendo como morada (Ef 2.20-22) uma casa espiritual construída com pedras vivas (1Pe 2.5).
Finalmente, o evangelho, cujo novo mandamento é amar com o amor do Cristo (Jo 13.34), jamais poderá se classificar como tabu, ou régua reguladora de comportamento moral, pois “no amor não há Lei” (Gl 5.22-23), o que estabelece a proposta cristã como uma nova consciência, baseada na mente (1Co 2.16) e na atitude do Cristo (Fp 2.5-11), que extrapolam qualquer enquadramento moral ou legal.
Considerando as categorias das ciências da religião que encaixam o fenômeno religioso na moldura dos dogmas, ritos e tabus, é surpreendente que o evangelho seja considerado religião. O evangelho é a superação da religião. Não é adesão a dogmas, mas relação mística com o Deus revelado em Jesus de Nazaré; não é celebrado em ritos, mas na dinâmica do Espírito que faz da vida toda uma festa para a glória de Deus; não se restringe à observação de regras comportamentais, mas se estabelece a partir de uma profunda transformação do ser humano, que é arrancado de si mesmo na direção de seu próximo em amor.
A definição de Otto Maduro permite também perceber a lógica inerente ao fenômenoreligioso: a “relação de obrigações e benefícios” com os “seres superiores”. A religião se sustenta na lógica da justiça retributiva: o fiel cumpre suas obrigações e recebe a bênção; falha no cumprimento do que lhe compete no contrato com a divindade e em troca recebe o castigo e a maldição. A impossibilidade humana de atingir quaisquer que sejam os padrões definidos pelos deuses, ou mesmo Deus, faz surgir necessariamente o sistema sacrificial. Por definição, o divino está na categoria da perfeição, enquanto o humano, da finitude e da imperfectibilidade moral. Para escapar dos castigos e maldições, a religião oferece os sacrifícios compensatórios, necessários para afastar a ira dos deuses e conquistar seus favores.
O evangelho é a superação das relações de mérito (justiça retributiva) e dos sistemas sacrificiais. Jesus é “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29), e inaugura uma nova dimensão de relação entre Deus e os homens, não mais baseada no mérito, mas na graça, a elegante opção autodeterminada de Deus de abençoar “bons e maus, justos e injustos”, pois “Deus é amor” (1Jo 4.8). Aquele que se apropria do evangelho sabe que “Aquele que não poupou a seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós”, também “nos dará juntamente com ele, pela graça, todas as coisas” (Rm 8.32), e desfruta a liberdade e a paz com Deus e a paz de Deus (Rm 5.1; 8.1), pois “o amor lança fora todo o medo” (1Jo 4.18).
À sombra da cruz do Calvário, onde o escandaloso amor de Deus é revelado (Jo 3.16; 1Co 1.23), é surpreendente que o evangelho seja encaixotado nas categorias da religião, que tem como fundamento as “relações de obrigações e benefícios”, e sobrevive de enclausurar corações e consciências nos limites estreitos do medo e da culpa.
É urgente a melhor compreensão dos termos que estabelecem a distinção entre o evangelho de Jesus Cristo e o cristianismo compreendido nos termos das ciências da religião. O cristianismo, como sistema religioso organizado e institucionalizado, é culpado do pecado de quebra do terceiro mandamento. O cristianismo, em qualquer período da história e contexto sociocultural, se assemelha muito mais a todos os demais fenômenos religiosos que ao evangelho que pretendeu superar. É uma pena que os cristãos estejam, ainda hoje, exageradamente apegados às discussões e aos debates dogmáticos, aprisionados a cerimoniais ritualísticos templocêntricos e clericais, quixotesca e desnecessariamente ocupados na tentativa de subjugar e controlar moralmente o comportamento social, e tristemente, escravizados pelos sistemas sacrificiais e meritórios, que não fazem mais do que multiplicar as fileiras dos “decepcionados com Deus”.
Chegou o tempo quando homens e mulheres que serão tomados por loucos devem, em plena manhã, acender uma lanterna, correr aos templos cristãos e gritar incessantemente: “Onde estão aqueles que não se envergonham do evangelho?”.

Pr. Ed René Kivitz
www.ultimato.com.br

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

VIVER FELIZ!


“Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” disse Jesus de Nazaré (Jo 10.10).
Jesus diz essas palavras num contexto pastoral. Pois, ele afirma que os que vieram antes dele eram ladrões e salteadores, que vêm somente para matar, roubar e destruir. Jesus está falando de todo o que, alegando autoridade que, de fato, nunca lhe fora dada, intentou dirigir as ovelhas do Pai.
Jesus, como pastor, dá a vida por suas ovelhas e, mais, dá vida para as ovelhas.
A vida que Jesus dá à suas ovelhas as ressuscita e elas voltam à comunhão com o Pai. Essa vida veio no pentecoste (At 2), quando o próprio Espírito Santo veio para ser vida nas ovelhas do Cristo.
Essa vida em abundância, portanto, deve se manifestar no dia a dia das ovelhas. É como o vinho no casamento em Caná (Jo 2), que Jesus fez surgir em profusão, ao transformar cerca de 920 litros de água em vinho da melhor qualidade, para ser bebido no decorrer da festa, e, principalmente, para que houvesse festa.
Essa abundância de vida deve aparecer no dia a dia da história de cada ovelha do Cristo, porque é vida para ser vivida, como o vinho foi feito por Jesus para ser consumido. As ovelhas do Cristo vivem abundantemente, isto é, vivem dia a dia da vida dada pelo Cristo. As ovelhas do Cristo não receberam apenas a ressurreição no fim da vida, mas, a possibilidade de viver como ressurreto no dia a dia.
Jesus de Nazaré nos pastoreia para que a cada dia vivamos ressurretamente. Viver ressuretamente é viver desfrutando plenamente a vida do Cristo, logo, é viver diariamente a sua salvação. Viver ressurretamente é viver em estado de bem aventurança. É viver feliz.
Jesus nos pastoreia por meio do Livro que nos foi legado pelo Espírito Santo, e por meio das pessoas que o Espírito Santo capacita para tanto. O que, a rigor, abrange a todos. Todas as ovelhas do Cristo são apascentadores uns dos outros, porém, o Livro fala de pessoas especialmente capacitadas para que esse pastoreio seja efetivo no rebanho do Cristo. Mais do que apascentar, eles devem levar todas as ovelhas do Cristo ao apascentamento mútuo, cooperando com o Espírito Santo para que todos vivam felizes. Para que todos vivam plenamente, dia a dia, a salvação que receberam do Cristo, o bom pastor.
Então, todo o movimento do Espírito Santo, através de seus comissionados, e todo o conteúdo do Livro são para que cada ovelha do Cristo viva feliz, ou seja, desfrute plenamente a sua salvação.
O que é viver feliz? Viver feliz é viver a vida do Cristo e da vida do Cristo. Como a vida transcorre dia a dia, situação por situação, viver feliz é, em situações diferentes, viver sempre, em Cristo, a vida do Cristo, é saber viver em estado de salvação a cada momento.
A Bíblia, que é o meio, através do qual o Espírito Santo pastoreia as ovelhas do Cristo, é que ensina o que significa viver feliz a cada momento, apesar do momento.
Ser salvo é ter recebido a vida do Cristo, pela habitação do Espírito Santo. A vida do Cristo concede às suas ovelhas a vida abundante. Ter vida abundante é ser feliz. Ser salvo é ser feliz. Parafraseando a fala do Cristo: Eu vim para que sejam felizes e vivam felizes a cada dia. Ser salvo é um ato divino, viver feliz é fruto de ter aprendido a viver a partir desse ato divino, na força divina dessa salvação.

Ariovaldo Ramos
www.ariovaldoramosblog.blogspot.com.br

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

FÉ, LÁGRIMAS E UTOPIAS

Eu também tenho mais perguntas do que respostas. Mas das respostas já não faço questão. Madame Guyon disse que “se as respostas às perguntas da vida são absolutamente necessárias para você, então esqueça a viagem. Você nunca chegará lá, pois esta é uma viagem de incógnitas, de perguntas sem resposta, de enigmas, de coisas incompreensíveis e, principalmente, injustas”. Andamos por fé. A fé não tem a ver com certezas, mas com confiança. Confiança em Deus, seu caráter justo, amoroso e bom. Jesus também fez uma pergunta e não obteve resposta. O que lhe doía não era a a falta de explicações, mas o desamparo. No dia da tragédia não precisamos de respostas, precisamos de alguém. Deus é suficiente para compreender nossa perplexidade, assumir posição de réu sob nossas dúvidas, e sofrer o peso da nossa dor. Assim creram os antigos: Deus é nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na tribulação, pois nem a morte, pode nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.
Eu também choro. Sei que a vida continua, que não posso ficar preso ao passado, que devo levantar a cabeça e seguir em frente, que tenho ainda minha própria vida para viver… Mas antes preciso chorar. Preciso acolher meu sofrimento, dar a ele boas vindas, permitir que a tragédia faça seu caminho até o mais profundo do meu coração, fazer com que a dor traga de volta lembranças abafadas pela correria da vida, promova arrependimentos, desperte sonhos adormecidos, traga para a luz memórias de afeto e alegria. Assim posso purgar tudo isso sem medo, vencer a escuridão com a coragem de chorar. Oferecer minhas lágrimas como a mais legítima das orações e o meu pranto como o mais sublime tributo de amor. Jesus também chorou diante da morte. Deus é suficiente para nos outorgar perdão, redimir palavras e gestos, recolher as palavras e gestos que jamais deveriam ter ganho concreção, e dar destino ao que ficou por dizer e fazer. Deus é bom e sabe amar, capaz de enxugar nossas lágrimas e dar sentido e significado ao nosso sofrimento. Assim creram os antigos: a tribulação produz.
Eu também fico indignado. Também não me conformo com os desmandos de um país que agoniza sob incompetências, negligências, imperícias, imprudências, e, principalmente, a corrupção sistêmica e a injustificada impunidade. Mas não vou permitir que isso me torne cínico e cético. Vou dar mais ouvidos aos idealistas, me agarrar às forças das utopias, me deixar levar nas asas da esperança. Vou arregaçar as mangas, arar a terra e semear o solo regado com o sangue dos justos e inocentes. Vou repartir como meu próximo os frutos do meu sofrimento, compartilhar o labor com tantos irmãos que ainda não se curvaram diante da mediocridade, não se deixaram vencer pelas forças das trevas, e não se intimidaram face aos promotores e mantenedores da morte. Jesus também sofreu, e não desistiu. Jesus também morreu. E sua ressurreição é não apenas convocação para a luta, mas garantia de vitória. Assim creram os antigos: eu sei que meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra!

www.edrenekivitz.com.br