sábado, 27 de março de 2010

ARTIGO DE ED RENE KIVITZ










DEUS É INOCENTE

"Se o céu existe, Deus tem muito que explicar". Essa afirmação do Robert De Niro faz eco em meu coração. Também experimento o incômodo de deixar Deus sub judice diante do sofrimento humano. Não me conformo diante das injustiças da vida. O argumento de que todos somos maus e em última análise ninguém mereceria ser poupado do mal não me satisfaz. Sou daqueles que acreditam que coisas ruins acontecem às pessoas boas e acalentam silenciosos uma certa contrariedade quando coisas boas acontecem às pessoas ruins. Acredito, sim, que no mundo existe gente boa e gente ruim. E também acredito que a maioria das pessoas não merece a tragédia que sofre. O casal que perde o filho recém nascido, o adolescente que fica tetraplégico após um displicente mergulho na piscina do clube, a mulher que se vê mutilada pelo câncer, o pai de família que percorre as ruas na indignidade do desemprego e que, por vergonha ou por caráter - as duas coisas, não sabe nem mesmo esmolar, são situações cotidianas que me fazem dormir mal sob o peso do veredicto: Deus tem mesmo muito que explicar.
Mas trago no coração duas outras certezas que me apaziguam a alma, me dão coragem para viver e me animam à solidariedade, ainda que tímida e não poucas vezes insuficiente. O céu existe. Não sei como é. Não sei onde fica. Não sei quando acontece. Mas que existe, existe. Este mundo não é a realidade definitiva. O presente estado das coisas não é a versão final da obra de Deus. Uma coisa é o mundo em que vivemos. Outra, o mundo em que viveremos eternamente. E a respeito das coisas que acontecem neste mundo e não deveriam acontecer, e que não acontecerão no mundo vindouro, Deus já se explicou. Deus se pronunciou em alto e bom som, há mais de dois mil anos, na cruz do Calvário, onde foi morto Jesus de Nazaré, o Cristo, unigênito de Deus.
A tradição cristã afirma que "Deus prova seu amor para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores". Quem duvida do amor de Deus deve olhar para o Calvário. No dia em que o sofrimento se agiganta e a visão do amor de Deus fica ofuscada pelas lágrimas da dor quase insuportável, a cruz do Calvário é o grito apaixonado de Deus. John Stott disse que na cruz de Cristo Deus justifica não apenas a humanidade, mas justifica a si mesmo. Na cruz de Cristo, Deus se levanta diante de todos os que o acusam de ser injusto, tirano, indiferente ao sofrimento e à dor humanas, e pronuncia a sentença de inocência sobre si mesmo. A cruz de Cristo é a prova irrefutável do amor de Deus.
Na cruz de Cristo há quatro afirmações que provam o amor e definem a inocência de Deus. Na cruz de Cristo Deus é declarado inocente porque se solidariza com as vítimas do mal e da malignidade. Através da morte de Jesus Cristo, seu Filho, Deus afirma "O mal também me feriu", "O sofrimento chegou também à minha casa", "As lágrimas pelo padecimento injusto também rolam dos meus olhos", "Eu e as vítimas do mal e da malignidade somos um".
Aqueles que imaginam que o Deus que "habita em luz inacessível" vive confortavelmente no ar condicionado do céu, enquanto suas criaturas penam contra o diabo na terra do sol, estão absolutamente enganados. Deus tem a cara suja pelas lágrimas que borram seu rosto sofrido com a dor de cada um dos seus filhos por adoção e do seu unigênito. Na cruz de Cristo Deus sofre conosco. Sofre por nós. Sofre em nosso lugar. Deus sabe o que é padecer. Seu Filho é homem de dores. Ovelha muda entre seus sanguinários tosquiadores. Na cruz de Cristo Deus atravessou não apenas o vale da sombra da morte. Atravessou a própria morte.
Na cruz de Cristo Deus é declarado inocente porque não é contato entre os promotores do mal, mas entre os que sofrem os danos da malignidade. Na cruz de Cristo Deus afirma "Não olhem para mim como se eu ordenasse o mal", "Quando estiver sofrendo, não me conte entre os que lhe causam a dor", "Na cruz, eu não batia pregos na mão de ninguém. Na cruz, a mão sob os pregos ferozes era a minha". Quase posso escutar Deus dizendo à mãe que chora a filha atropelada: "Não me tome como quem passou por cima, eu estava em baixo, sendo esmagado sob o peso da borracha negra que me dilacerava a carne e a alma".
Na cruz de Cristo Deus sofre o mal. Na cruz de Cristo Deus é exposto como vítima da malignidade e não como algoz que causa dor e sofrimento. Na cruz de Cristo os verdadeiros promotores da morte são publicamente desmascarados. Cai o pano. E todo mundo pode ver que Deus não está com mãos sujas de sangue inocente. Na cruz de Cristo Deus é a mão inocente que sangra.
Na cruz de Cristo Deus é declarado inocente porque fica evidente que a causa do sofrimento é o pecado da raça humana. Os pecadores estão pensos nas cruzes laterais, mas a crua do meio sustém um inocente. Na cruz de cristo Deus afirma: "Vocês deflagraram o mal", "Vocês abriram a caixa de Pandora", "Vocês soltaram a besta fera", "Vocês macularam o Paraíso". O aviso ainda ecoa pelo universo: "No dia em que pecar, certamente morrerás". A presença da morte é evidência de pecado. E o pecado é responsabilidade da raça. A cruz de Cristo somente se explica porque o pecado que a faz necessária. Naquele dia em que Deus provava seu amor para conosco éramos de fato ainda pecadores.
Na cruz de Cristo Deus é declarado inocente porque é o que morre, e não o que mata. Na cruz de Cristo pende o justo morrendo a morte dos injustos. O veredicto está lançado: há pecado, pois que haja morte. O salário do pecado é a morte, disse o apóstolo. A justiça do Deus três vezes santo há que ser satisfeita. Deus está diante de seu dilema eterno: matar ou morrer. E sua opção é definitiva, desde antes da criação do mundo: morrer. Na cruz de Cristo Deus faz sua escolha e anuncia sua disposição de amor absoluto: se alguém tem que morrer para que a justiça volte a brilhar no universo maculado pela culpa da raça humana, que viva a raça e que morra eu-Eu.
O primeiro dos dilemas é criar ou não criar. O segundo é criar com liberdade ou sem liberdade. O terceiro é assumir o ônus da liberdade ou deixar este ônus nas mãos da criatura. Deus faz as escolhas que o machucam, que lhe causam dor, que o fazem sofrer, que o diminuem. Simone Weil diz que "Deus e todas as suas criaturas é menos do que Deus sozinho". Deus escolhe criar. Escolhe criar um ser livre, pois não fosse livre não seria à imagem do Criador. E escolhe arcar com ônus da liberdade que concede à sua criatura. Na cruz de Cristo está deus, dando ao rebelde o direito de existir. Na cruz de Cristo está Deus entregando a sua vida, voluntariamente, em favor dos pecadores. O mal deflagrado pela raça levanta sua sombra sobre o trono de Deus. E Deus se levanta como um Cordeiro que se doa, pois escolhera morrer, em detrimento de matar. Na cruz de Cristo está o Deus que morre para que todos tenham vida, vida completa, abundante vida.

Ed Rene Kivitz
www.ibab.com.br

terça-feira, 16 de março de 2010

CRISTO: REDESCOBRINDO NOSSA IDENTIDADE



“Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós. O ramo de si mesmo não pode produzir fruto, se não estiver na videira. Tampouco vós podeis produzir fruto, se não permanecerdes em mim” (João 15. 4)



O texto acima ainda nos desafia: “permanecei em mim”. Vivemos no mundo onde o senso do pertencer está se degradando paulatinamente todos os dias. A geração viciada em velocidade não suporta esperar. E pertencer é esperar. O Cristo das Escrituras ainda desafia. Não há como construirmos uma identidade cristã sem termos como base o Cristo da Bíblia, e essa base não pode ser desfrutada na correria insana da atualidade.
Cada dia que passa somos agredidos numa sociedade onde tudo dura pouco. É a sociedade dos êxtases instantâneos. Essa tentação da velocidade aborta o crescimento sadio, pleno, desenvolvido nos passos seguros da calma. O grande desafio é aprender a domesticar o monstro da ansiedade e construir, na sagrada paciência da fé, uma identidade capaz de revelar Cristo.

Cristo: o exemplo supremo

O Novo Testamento repete a expressão “em Cristo” cerca de 64 vezes. Estar em Cristo é o grande projeto de ser que necessitamos na atualidade. A supremacia de Cristo precisa ser urgentemente resgatada na mentalidade evangélica hodierna. Num mundo marcado pela pluralidade abusiva de “caminhos”, a igreja precisa fortalecer sua convicção inegociável de que Cristo ainda é o “único caminho” (João 14. 6). Como exemplo supremo ele deve ser nosso alvo maior. Sua vida deve ser imitada, sua missão precisa ser encarnada nas fúrias da vida. Se Cristo é o modelo supremo, nada deve desviar nossa atenção dele!

O Desafio de manter o olhar em Cristo

Hebreus 12. 2 é enfático: “olhando firmemente para Jesus, autor e consumador da nossa fé”. Um enorme desafio para o cristão num tempo marcado por ilusões é manter o olhar focado em Cristo, o olhar curado. Irineu, um dos “Pais da igreja” dizia sobre o dever de cultivarmos “olhos curados pela graça”. As vitrines sedutoras da atualidade estão repletas de produtos para nos oferecer. A religião da mídia oferece-nos todos os dias seus palcos e sua glória, entretanto como gente que mira o alto padrão de Cristo, mantemos firmes nossos olhos na cruz.
Um pregador puritano dizia: “Se não estás perdido, de que te serve um salvador?” Se nossos olhos estiverem fixos em outras coisas, de que nos servirá um modelo? Se Cristo é o nosso supremo modelo, então carecemos de um esforço diário na luta contra as distrações pós-modernas, para que jamais tiremos os olhos daquele que não muda (Hb. 13. 8).

A supremacia reconhecida

Nada pode ser maior do que Cristo! Ninguém é mais importante do que ele. É isso que o apóstolo Paulo enfatiza em sua epístola aos Colossenses 1. 16, 17. Paulo exalta Cristo como a supremacia que não pode ser banida, que não conhece limites. Esse conceito de supremacia precisa ser resgatado com extrema urgência. Se a igreja perder de vista esse Cristo Supremo, então ela já não poderá ser reconhecida como igreja.
Vivemos num século onde as pessoas estão em permanente conflito com a supremacia de Deus. Seres mimados acabam mantendo uma relação puramente funcional com Deus, que é essencialmente relacional. A supremacia de Cristo, à luz da Bíblia, só pode ser vivida sem crises quando compreendida sob a ótica de uma relação entre seres que se amam. Se o amor é a base reconhecemos a supremacia sem neuroses, sem medo, pois como escreveu o apóstolo João: “o perfeito amor lança fora o medo” (I João 4. 18). Deus não funciona! Ele não é uma máquina.

É possível imitar Cristo?

Em Filipenses 3. 17 Paulo afirma: “Irmãos, sede meus imitadores”. Em I Coríntios 4. 16 o apóstolo diz a mesma frase: “Sejam meus imitadores”. Em Efésios 5. 1 Paulo vai mais longe: “Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados”. O que chama a atenção é que o apóstolo, em todos os textos citados, não se envergonha em frisar a palavra “imitar”. É bom lembrar que a imitação, por melhor que seja nunca é a realidade total imitada. É sempre uma caricatura! Para a mente de Paulo, imitar é a tentativa fiel de reproduzir o padrão de Cristo.
O termo grego é “mimetai”, raiz das palavras “mímica” e “mimetismo”. A mímica é a arte de exprimir o pensamento por meio de gestos ou da expressão fisionômica, enquanto o mimetismo é a capacidade de certos animais e plantas de adaptar-se à cor do ambiente ou de outros seres ou objetos, para passarem despercebidos de seus inimigos. O apóstolo está nos convocando a parecer com Cristo – ele é a referência a ser sempre imitada.
Podemos imitar Cristo? Perfeitamente! Contudo, precisamos lembrar que, na condição de seres humanos, imperfeitos, jamais alcançaremos um nível onde possamos “abrir mão” do Senhor, do exemplo, da referência. Devemos imitar não para ofuscar ou mesmo substituir, mas para manter o alto ideal a ser seguido.
Num tempo onde a confusão dos rostos cresce assustadoramente, é imprescindível que não percamos de vista o rosto amado de Jesus!
W. Dyer disse: “Cristo despojou-se da coroa para coroar-nos, pôs de lado suas vestes para com elas cobrir nossos farrapos e desceu do céu para conservar-nos fora do inferno. Jejuou quarenta dias para poder banquetear-se conosco por toda a eternidade; desceu do céu à terra para poder enviar-nos da terra ao céu”
Nele, que é nosso Supremo Modelo

Alan Brizotti
www.genizahvirtual.com