Um dos textos mais chocantes do Velho Testamento é aquele no
qual Uzá é fulminado por Deus por ter tocado na Arca da Aliança quando os bois
que a levavam tropeçaram (II Sm 6: 1-11). Assusta não apenas ao leitor de hoje,
mas também apavorou a Davi na hora em que aconteceu. A Arca simbolizava a
Presença de Deus no meio de Seu povo! Um toque “diferente”, e o coração veio
para fora! Uzá, aparentemente, apenas socorria a Deus. Os bois haviam
tropeçado. A Arca poderia ter caído. Todos estavam alegres. Uzá não desejava
que nada desse errado. Por isso, ao ver que a carroça pendia pelo tropeção dos
bois, estendeu a mão, tocou e morreu por essa “irreverência” diante da Arca do
Senhor! A Arca era a simbolização da Presença de Deus! A Presença de Deus
revela aquilo que está no coração! Mil anos depois... Uma mulher estava
enferma. Havia doze anos que sofria de uma hemorragia que não se deixava
estancar. Sangue escorria por entre as suas pernas. A vida se esvaía e ela não
se sentia com forças para viver, sem falar no constrangimento de sofrer de uma
menstruação crônica—especialmente num contexto onde o fluxo da mulher era algo
a ser cerimonialmente tratado como “impureza”. A mulher veio por trás e tocou
em Jesus. Imediatamente viu estar livre de seu mal! —Quem me tocou?—indagou o
Senhor. —Mestre, a multidão te oprime e te aperta e dizes “Quem me
tocou?”—questionava Pedro. —Alguém me tocou, pois, senti que de mim saiu
poder!—garantiu o Senhor. Milhares de mãos, nenhum toque! Uma única mão, um
toque que fez vazar virtude! A Arca era a simbolização da Presença de Deus.
Jesus era a Presença de Deus não simbolizada, mas Realizada: Emanuel, Deus
Conosco! Então, por que a Arca carregava o poder de matar como símbolo e Jesus
não, mesmo que Ele fosse a realidade do simbolizado?—afinal, uma mão o tocou
com fé e milhares o tocavam por razões diversas, talvez bem menos nobres que a
de Uzá!—mas ninguém saiu ferido! “O Filho do Homem não veio para destruir as
almas dos homens, mas para salva-las!” O fato é que eu poderia me estender para
sempre aqui e nas diferenciações entre a frieza do poder que procedia da Arca
como símbolo em contra-partida à seletividade, em Graça, que emanava de Jesus.
O que desejo, apenas, é estabelecer o seguinte: Morre-se ou vive-se diante de
Deus com o coração! O gesto de Uzá, exteriormente, era uma “irreverência” para
Deus. Mas para Davi—que via apenas externamente—tratava-se de algo cruel, que o
entristeceu. Ele não entendia aquela severidade de Deus. Ninguém poderia dizer
que Uzá morrera de nada que não fosse categorizado apenas como “uma
irreverência”; afinal, quem poderia saber o que ele levava no coração, como
motivação, quando estendeu a mão para tocar a Arca do Senhor? A mulher tocou
Jesus com fé. E só ficamos sabendo isto porque Jesus era maior que a Arca! Jesus
contou o que estava no coração da mulher! A Arca simbolizava, mas sua virtude
não dava explicações! Desse modo, depreende-se o mesmo princípio: A presença de
Deus nos torna nus e expõe o coração como único cenário que vale diante de
Deus. O homem vê a aparência. O Senhor, porém, vê o coração. Por isto, mais do
que olhar para as aparências exteriores—se meu assunto é Deus—tenho que olhar
para mim mesmo! “Examine-se, pois, o homem a si mesmo e, assim, como do pão e
beba do vinho, pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo
para si”. O sagrado está no coração!
Caio Fábio