sexta-feira, 25 de março de 2011

VERBOS TRANSFORMADORES

As ações são o testemunho daquilo que somos e do que cremos. É comum tentar justificar as atitudes egoístas e grosseiras como um acidente, alguma coisa que acontece quando perdemos o controle. No entanto, sabemos que os gestos falam de forma muito mais eloqüente do que as palavras. Os gestos de alguns revelam seus sonhos de vingança, sua mesquinhez, ciúmes, invejas e imoralidade. Já os de outros revelam sua grandeza humana, espírito abnegado, amor puro, relações altruístas.
O amor de Deus sempre foi declarado por palavras poderosas e convincentes através dos seus profetas, mas nada foi tão convincente e mais poderoso para demonstrar o amor de Deus do que a cruz de Jesus Cristo. O caminho que Deus escolheu para revelar-se a nós foi a encarnação, ao fazer-se homem e habitar entre nós mostrando a glória e a verdade. A vida encarnada de Jesus foi a expressão perfeita do Senhor entre nós. “Quem vê a mim, vê o Pai” – foi assim que Jesus nos revelou Deus.
Existem quatro verbos no ministério de Jesus que demonstram de forma clara a natureza do seu amor. São eles: tomar, abençoar, partir e dar. Eles aparecem em algumas situações na vida de Jesus. Além da ceia, encontramos estes verbos, por exemplo, na multiplicação dos pães e peixes. “E, tendo mandado que a multidão se assentasse sobre a relva, tomando os cinco pães e os dois peixes, erguendo os olhos ao céu, os abençoou. Depois, tendo partido os pães, deu-os aos discípulos, e estes, às multidões. Todos comeram e se fartaram” (Mt. 14.19 e 20). Esses verbos descrevem uma ação que tem um potencial enorme na criação da comunidade e na transformação das pessoas. Ele primeiro toma aquilo que tem disponível. Sabemos que os cinco pães e os dois peixes eram insuficientes para alimentar uma multidão de milhares de pessoas; poderiam, talvez, dependendo do tamanho dos peixes e dos pães, até alimentar uma família, mas não milhares de pessoas famintas. Contudo, era o que se tinha à mão e ele os toma.
Depois de tomar aquele alimento, Cristo ora e o abençoa; agradece pelo que tem e invoca sobre pães e peixes a bênção de Deus. O ato de abençoar implica num ato de enviar. Ao abençoar, abrimos mão do que temos, sejam pães, peixes, filhos ou qualquer bem. Ao abençoar, eles passam a pertencer a Deus para serem usados por ele. Ao dizer para Abraão: “Sê tu uma benção”, o Senhor o envia - e tal bênção não era o que Abraão iria fazer, mas o que ele mesmo era, sua vida e seus atos.
Depois de tomar, abençoar e agradecer, Jesus parte o pão, deixando claro que sua intenção era dividir. Imagino que Jesus foi o último a se servir. Este gesto, Jesus repete na última ceia, quando toma o pão, ora, abençoa e o reparte, dizendo: “Este é o meu corpo partido por amor de vocês”. Jesus se deu a nós; fez-se comida para alimentar de uma vez por todas nossa fome. Na multiplicação dos pães e peixes, ele faz um prenúncio da ceia, tomando, abençoando, partindo e dando.
Por fim, ele oferece alimento à multidão. Doa. A vida cristã é este permanente ato de doação. Quanto mais guardamos, acumulamos, menos livres nos tornamos. Somos prisioneiros dos pães e peixes que guardamos para nós. Mais bem aventurado é dar do que receber porque, ao dar, tornamo-nos mais semelhantes ao nosso Senhor. Estes gestos de tomar, abençoar, partir e dar testemunham as ações de Jesus. Milhares de pessoas famintas foram alimentadas por causa daquela ação. Todos os meses, repetimos estes verbos na celebração da ceia, dizendo que Jesus tomou o pão, deu graças, partiu e deu. Durante mais de vinte séculos, os cristãos têm sido alimentados com aquele gesto do Mestre.
Pense um pouco no poder de tais verbos na vida de uma comunidade, seja a família, a igreja ou a nação. Se cada um de nós tomasse aquilo que tem – não importa se é muito ou pouco, de grande valor ou não –, reconhecendo-o como dádiva de Deus, orasse agradecendo, abençoasse, partise e desse, certamente muitos seriam alimentados, abençoados, curados e salvos. Acontece que a filosofia da cultura em que vivemos nos incentiva a andar na contramão dos verbos de Cristo. Para muitos, tomar não significa lançar mão do que tem para doar, mas subtrair do outro para acumular. Abençoar não significa receber com gratidão o que temos e invocar a bênção de Deus a fim de que seja útil para o seu Reino, mas ter uma “garantia divina” de que, uma vez meu, será para sempre meu. Os verbos “partir” e “dar” não são conjugados mais juntos. Jesus alimentou uma multidão de milhares de homens e mulheres com apenas cinco pães e dois peixes. Como aquilo foi possível? Ele tomou os pães e peixes, os abençoou, partiu e deu. Poderia ter tomado aqueles poucos pães e peixes para si e seus discípulos. Certamente teria razões para agir assim, mas preferiu fazer diferente. Naquele dia, houve um grande evento comunitário por causa dos quatro verbos transformadores.
Na cultura religiosa dos nossos dias, estes verbos não são mais conjugados ou, quando o são, não têm o mesmo poder. Somos crianças mimadas, sempre insatisfeitas, querendo cada vez mais, acumulando o máximo possível para então ir à frente de alguma igreja e testemunhar a prosperidade. Veja a que ponto chegamos. Jesus não fez assim – “Ele, embora sendo rico, se fez pobre por amor de nós”, “esvaziou-se a si mesmo” por amor a nós. Somos abençoados por estes verbos que Cristo continua conjugando. Quando ele nos viu em nossa miséria e pecado, tomou-se a si e, em oferta agradável a Deus, doou-se a nós para que fôssemos libertos de nós mesmos. Estes são os verbos para a construção de uma comunidade.

Ricardo Barbosa de Souza

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quarta-feira, 16 de março de 2011

AMBIÇÃO E ÉTICA

Ambição é tudo o que você pretende fazer na vida. São seus objetivos, seus sonhos, suas resoluções para o novo milênio. As pessoas costumam ter como ambição ganhar muito dinheiro, casar com uma moça ou um moço bonito ou viajar pelo mundo afora. A mais pobre das ambições é querer ganhar muito dinheiro, porque dinheiro por si só não é objetivo: é um meio para alcançar sua verdadeira ambição, como viajar pelo mundo. No fim da viagem você estará de volta à estaca zero quanto ao dinheiro, mas terá cumprido sua ambição.
As pessoas mais infelizes que eu conheço são as mais ricas. Quanto mais rico, mais infeliz. Nunca me esqueço de um comentário de uma copeira, na casa de um empresário arquimilionário, que cochichava para a cozinheira: "Todas as festas de rico são tão chatas como esta?" "Sim, todas, sem exceção", foi a resposta da cozinheira.
De fato, ninguém estava cantando em volta de um violão. Os homens estavam em pé numa roda falando de dinheiro, e as mulheres numa outra roda conversavam sobre não sei o que, porque eu sempre fico preso na roda dos homens falando de dinheiro.
Não há nada de errado em ser ambicioso na vida, muito menos em ter "grandes" ambições. As pessoas mais ambiciosas que conheço não são os pontocom que querem fazer um IPO (sigla de oferta pública inicial de ações) em Nova York. São os líderes de entidades beneficentes do Brasil, que querem "acabar com a pobreza do mundo" ou "eliminar a corrupção do Brasil". Esses, sim, são projetos ambiciosos.
Já ética são os limites que você se impõe na busca de sua ambição. É tudo que você não quer fazer na luta para conseguir realizar seus objetivos. Como não roubar, mentir ou pisar nos outros para atingir sua ambição. A maioria dos pais se preocupa bastante quando os filhos não mostram ambição, mas nem todos se preocupam quando os filhos quebram a ética. Se o filho colou na prova, não importa, desde que tenha passado de ano, o objetivo maior.
Algumas escolas estão ensinando a nossos filhos que ética é ajudar os outros. Isso, porém, não é ética, é ambição. Ajudar os outros deveria ser um objetivo de vida, a ambição de todos, ou pelo menos da maioria. Aprendemos a não falar em sala de aula, a não perturbar a classe, mas pouco sobre ética. Não conheço ninguém que tenha sido expulso da faculdade por ter colado do colega. "Ajudar" os outros, e nossos colegas, faz parte de nossa "ética". Não colar dos outros, infelizmente, não faz.
O problema do mundo é que normalmente decidimos nossa ambição antes de nossa ética, quando o certo seria o contrário. Por quê? Dependendo da ambição, torna-se difícil impor uma ética que frustrará nossos objetivos. Quando percebemos que não conseguiremos alcançar nossos objetivos, a tendência é reduzir o rigor ético, e não reduzir a ambição. Monica Levinski, uma insignificante estagiária na Casa Branca, colocou a ambição na frente da ética, e tirou o Partido Democrata do poder, numa eleição praticamente ganha, pelo enorme sucesso da economia na sua gestão.
Definir cedo o comportamento ético pode ser a tarefa mais importante da vida, especialmente se você pretende ser um estagiário. Nunca me esqueço de um almoço, há 25 anos, com um importante empresário do setor eletrônico. Ele começou a chorar no meio do almoço, algo incomum entre empresários, e eu não conseguia imaginar o que eu havia dito de errado. O caso, na realidade, era pessoal: sua filha se casaria no dia seguinte, e ele se dera conta de que não a conhecia, praticamente. Aquele choro me marcou profundamente e se tornou logo cedo parte da ética na minha vida: nunca colocar minha ambição na frente da minha família.
Defina sua ética quanto antes possível. A ambição não pode antecedê-la, é ela que tem de preceder à sua ambição.

Stephen Kanitz
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sábado, 12 de março de 2011

COM LENÇO E SEM SOFRIMENTO! A CURA DIVINA NO NOVO TESTAMEMTO

Um dos temas mais empolgantes do Novo Testamento é com certeza a cura divina. Jesus surge como o Messias prometido fazendo grandes prodígios, comprovando sua origem divina. O testemunho dos evangelhos é claro: Os cegos vêem, os mancos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e as boas novas são pregadas aos pobres; e feliz é aquele que não se escandaliza por minha causa” (Mt 11.5-6). Num mundo cheio de crises, doenças e insuficiências humanas, nada pode chamar mais atenção do que esta cura milagrosa realizada pela poder divino. Hoje, milhares de igrejas cristãs em todo o mundo pregam a cura divina, proclamam o poder físico de Cristo e colecionam muitos testemunhos impressionantes de milagres que, surpreendemente, parecem ter sido pouco investigados.
Todavia, a proclamação de cura sobrenatural não é exclusividade cristã. Muitos outros movimentos religiosos também proclamam a cura e fazem rituais com o propósito de sarar enfermidades. Muitas são as práticas mágicas, principalmente na realidade mística nacional, que são conhecidas e disseminadas em nossos dias.
Nos anos recentes muita gente tem ficado confusa com a questão da cura. A multiplicidade e a variedade dos movimentos evangélicos, aparentemente, tem sido marcada por um certo sincretismo. Muitos rituais realizados em ambientes evangélicos do ponto de vista fenomenológico se aproximam de rituais esotéricos e místicos não cristãos. Isso provoca dúvida e questionamento generalizado sobre a legitimidade bíblica e teológica do que está acontecendo.
Questionados sobre suas práticas, os evangélicos mais místicos certamente responderiam que estão agindo com fundamentação bíblica. Seguramente, eles apontariam para certos textos bíblicos, aqui selecionados (observar o grifo):
“Deus fazia milagres extraordinários por meio de Paulo, de modo que até lenços e aventais que Paulo usava eram levados e colocados sobre os enfermos. Estes eram curados de suas doenças, e os espíritos malignos saíam deles.” (Atos 19.11-12)
“Em número cada vez maior, homens e mulheres criam no Senhor e lhes eram acrescentados, de modo que o povo também levava os doentes às ruas e os colocava em camas e macas, para que pelo menos a sombra de Pedro se projetasse sobre alguns, enquanto ele passava. Afluíam também multidões das cidades próximas a Jerusalém, trazendo seus doentes e os que eram atormentados por espíritos imundos; e todos eram curados.” (Atos 5.14-16)
“Entre vocês há alguém que está doente? Que ele mande chamar os presbíteros da igreja, para que estes orem sobre ele e o unjam com óleo, em nome do Senhor. A oração feita com fé curará o doente; o Senhor o levantará. E se houver cometido pecados, ele será perdoado.” (Tg 5.14-15)
Os relatos dos “lenços e aventais”, da “sombra de Pedro” e “da unção com óleo” em Tiago têm sido considerados difíceis pelos teólogos mais tradicionais. Geralmente sugere-se que estes textos são apenas históricos e contextualmente dependentes, o que os tornaria não normativos para nós hoje. Todavia, tal avaliação não subsiste. Vários argumentos teológicos sobre temas como batismo, governo de igreja, contribuição, entre outros, são feitos com base em passagens históricas de Atos, por exemplo. Como entender a questão? Seria o cristianismo do Novo Testamento semelhante aos cultos místicos de hoje?
Antes de tudo, é preciso entender a lógica da teologia da cura no Novo Testamento. Um dos ingredientes fundamentais é a fé. Por diversas vezes Jesus afirma ao doente curado que a fé do indivíduo havia causado a cura (Mc 5.34, e.g.). No contexto hebraico, a fé não é apenas um sentimento ou impulso mental. Fé para um judeu nos templos envolvia a ação concreta. Por isso, o termo hebraico ’emunâ pode ser traduzido tanto por fé e quanto por fidelidade. Assim, a cura era muitas vezes operada pela participação do doente que expressava a sua fé de modo concreto. Assim, surgem diversos “pontos de contato” entre o poder de Deus e a fé do que recebe a cura. As vezes a fé é demonstrada pelo “lenço”, pela “sombra”, pelo “óleo”, pela “saliva com barro nos olhos”, pelo “toque nas vestes”, “pelo levantar-se da maca”, etc. O doente é conclamado é expressar a fé de maneira concreta. Deve ser observado que em todos os casos os elementos concretos presentes na cura são sinais da fé que existe no doente ou em alguém que o auxilia. Nos textos acima citados, vemos Paulo não distribuiu (nem vendeu) lenços e aventais. Ao contrário, isso foi feito de modo espontâneo pelo povo. O mesmo pode ser observado no caso da sombra de Pedro. Até mesmo, no texto de Tiago, a unção com óleo não era praticada a partir dos líderes (presbíteros) da igreja. Ao contrário, a ação tinha início com o doente. Observe a clareza da NVI aqui: “que ele mande chamar os presbíteros”. Ao convocar os presbíteros para a unção com óleo, estava demonstrada sua fé. A lógica é semelhante ao convite que se faz a uma pessoa para “vir à frente” afirmando que recebeu a Cristo. “Vir à frente” é uma demonstração de fé concreta. Isso é bastante diferente do enfoque místico não cristão.
O enfoque de cura não cristão é diferente. A idéia é que há objetos abençoados, como que cheios de “energia” espiritual. Assim, surge um certo fetichismo em torno do objeto, que passa a ser “a fonte da cura”. É um certo animismo. Com esse enfoque, faz sentido vender objetos sagrados que tenham poder de cura. Essa postura é muito distinta da visão neotestamentária. Uma boa maneira de observa o contraste é observar o texto de Marcos 5.24-34.
“Uma grande multidão o seguia e o comprimia.
25 E estava ali certa mulher que havia doze anos vinha sofrendo de hemorragia.
26 Ela padecera muito sob o cuidado de vários médicos e gastara tudo o que tinha, mas, em vez de melhorar, piorava.
27 Quando ouviu falar de Jesus, chegou por trás dele, no meio da multidão, e tocou em seu manto,
28 porque pensava: “Se eu tão-somente tocar em seu manto, ficarei curada”.
29 Imediatamente cessou sua hemorragia e ela sentiu em seu corpo que estava livre do seu sofrimento.
30 No mesmo instante, Jesus percebeu que dele havia saído poder, virou-se para a multidão e perguntou: “Quem tocou em meu manto?”
31 Responderam os seus discípulos: “Vês a multidão aglomerada ao teu redor e ainda perguntas: ‘Quem tocou em mim?’ ”
32 Mas Jesus continuou olhando ao seu redor para ver quem tinha feito aquilo.
33 Então a mulher, sabendo o que lhe tinha acontecido, aproximou-se, prostrou-se aos seus pés e, tremendo de medo, contou-lhe toda a verdade.
34 Então ele lhe disse: “Filha, a sua fé a curou! Vá em paz e fique livre do seu sofrimento”.
Nesse texto vemos que “o manto” de Jesus curou a mulher que sofria de hemorragia. Como nos casos do “lenço”, da “sombra” e do “óleo”, aqui temos também o “manto”. Todavia, o texto deixa claro que o “manto” não tem poder para curar. Não é um objeto sagrado. A prova é que todo mundo estava tocando no manto (v. 31) e nada de especial estava acontecendo. Não havia qualquer energia espiritual armazenada na roupa de Cristo. Todavia, ao expressar sua fé, a mulher cria que bastava “tocar no manto” que seria curada. E ela foi! Sua cura se deu não por causa do manto, mas por causa de sua fé (v.34), conforme as próprias palavras de Jesus.
Portanto, a igreja pode e deve orar pelos doentes com fé. Pode até mesmo ungir pessoas com óleo, ainda que não obrigatoriamente. No entanto, suas práticas ligadas à cura divina não podem cair no animismo e no fetichismo pagão presentes na religiosidade popular. É necessário fugir desses equívocos sem deixar de crer no Deus pessoal e soberano que cura milagrosamente e que muitas vezes permite a dor prolongada. Às vezes, a cura é milagrosa como no caso do “lenço”, às vezes Deus trabalha em nossa vida pelo “sofrimento”.

Luiz Sayão

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quinta-feira, 3 de março de 2011

O ALVO DO CRISTÃO

Segundo o dicionário, caráter é um conjunto de qualidades, boas ou más, que distinguem uma pessoa. Em linguagem comum, o termo decreve os traços morais da personalidade. Assim, toda a forma de pensar e agir, independente de estar a sós ou sendo observado, é traço característico do caráter de um indivíduo.
A Bíblia diz que devemos buscar o caráter de Cristo; que este deve ser nosso alvo. E essa transformação não é atingida imediatamente; ela é fruto de uma busca contínua e persistente, e nem sempre confortável. No entanto, ao nos dispormos, Deus age em nossas vidas e vai nos aperfeiçoando à Sua imagem e semelhança. “Mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor.” (2Co. 3.18)
Essa disposição em direção à busca do caráter de Jesus só se inicia quando há a percepção de que somos imperfeitos e que necessitamos de aprimoramento tendo o Senhor como exemplo e alvo. Ao entendermos os nossos defeitos e a excelência de Cristo, podemos abrir mão de nossos desejos e permitir o tratamento de Deus.
O primeiro gesto do homem que busca ser semelhante a Cristo é se humilhar diante da grandiosidade e perfeição de Deus. A iniciativa é nossa, mas, como já foi dito, não alcançaremos nosso intento por nós mesmos, e sim pela ação do Espírito Santo. Não será um trabalho humano, mas divino e sobrenatural.
Jesus afirma em João capítulo 15 que Ele é a videira e nós, a vara; e que o Pai limpa toda vara que dá fruto, para que dê mais frutos ainda. Essa é a garantia que temos: que é o próprio Deus age em nossas vidas para que cheguemos “a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo” (Ef. 4.13).
Nesse processo, uma coisa muito interessante acontece: a medida que conhecemos a Deus e somos por Ele transformados vamos percebendo o quando necessitamos, ainda mais, de sermos limpos e aperfeiçoados.
Aos poucos, Deus vai moldando nosso caráter, retirando nossos traços indesejáveis e melhorando nossas virtudes. A única condição é a persistência em permanecer em Cristo, buscando-O e reconhecendo a nossa condição de dependência.
Devemos lembrar que há um propósito maior quando Deus nos ensina buscar ser igual ao Senhor. E esse propósito não é apenas o nosso testemunho terreno nessa vida, mas também a nossa vida eterna. Não podemos nos esquecer que não findaremos com a morte; viveremos com Jesus. Ainda mais por isso, devemos nos manter firme em direção ao alvo, pois com Ele também reinaremos eternamente.

Rosane Itaborai Moreira

terça-feira, 1 de março de 2011

A ESPIRITUALIDADE NA PÓS-MODERNIDADE

O conceito de pós-modernidade ainda é um tema controvertido. Fala-se em hiper-modernidade, alta modernidade ou modernidade tardia, modernidade radicalizada, modernidade líquida. A compreensão comum, entretanto, é que a chamada pós-modernidade inclui a modernidade e não pode ser compreendida sem ela. A modernidade designa um fenômeno muito complexo que se manifesta com força na segunda metade do século 18, a partir da Revolução Industrial - capitalismo, ciência e técnica, urbanismo, desenvolvimento ilimitado e a revolução democrática muito sensível aos direitos humanos, com todas as suas nuances ideológicas. No centro da modernidade está o indivíduo, pois nada é tão percebido como a subjetividade, que liberta todo mundo da dependência das instituições sociais.
Como reflexo dessas transformações, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, definiu liberdade como “poder para fazer tudo o que não prejudica o outro; o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem mais limites do que os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos”. E a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, afirmou que “todos os homens nascem e permanecem iguais e livres”.
A lógica deste ideário moderno exige dois outros aspectos da individualidade: a autonomia e a racionalidade. O significado etimológico de autonomia é “ter a lei em si mesmo”, a capacidade do indivíduo agir movido e orientado por sua própria consciência, assumindo, portanto, a responsabilidade pelos seus atos. Autonomia implica todo poder normativo subordinado à consciência individual e, conseqüentemente, a rejeição de todo poder arbitrário e dogmático. Por esta razão, o processo moderno rejeita a religião e a divindade representada por ela.
Nesse contexto, a racionalidade surge como necessária, ou mesmo é uma decorrência da autonomia. O princípio de Descartes, “penso, logo existo”, proclama a centralidade do indivíduo pensante. O Iluminismo do século 18 traz o “esclarecimento racional”, em oposição ao dogmatismo que faz da autoridade e da tradição os critérios últimos de juízo. O homem moderno deseja fazer sempre e em todo lugar uso da própria razão. Uma sociedade que supervaloriza a subjetividade, a liberdade, a autonomia e a razão do indivíduo, evidentemente, privilegia a vivência de espiritualidade sem a tutela institucional.
A palavra espiritualidade pode suscitar muitas imagens: um mosteiro com homens recolhidos e afastados da realidade, se auto-flagelando em penitências; pessoas sentadas em roda, na posição de lotus, buscando fazer uma ponte entre seu eu mais profundo e as energias do universo; o auditório repleto de crentes diante de um pastor - mais parecido com um animador de auditório - fazendo promessas para a solução imediata de quaisquer problemas em troca de ofertas financeiras; a romaria de fiéis que cruzam uma pequena vila à luz de velas, seguindo um santo de devoção ao som de cantilenas tristes; ou até mesmo uma mesa, na repartição pública, cheia de cristais, gnomos, fitas e amuletos que visam atrair os bons fluídos e afastar os maus olhados. Todas estas, entretanto, são expressões de espiritualidade, cada uma delas associada a uma tradição religiosa. Cada civilização tem seu jeito de sistematizar a experiência espiritual, estruturando as coisas em termos de dogmas, rituais e padrões morais.
O saldo da modernidade é o rompimento com as instituições sociais religiosas e o abandono da pessoa humana à sua própria consciência e à mercê de sua liberdade. Com isso, várias das expressões acima, aquelas coletivas e institucionalizadas, caíram em desuso. Agora, os setores acadêmicos já recomendam que não sejam usadas expressões como sincretismo, fanatismo e tolerância. A expressão “sincretismo” pressupõe algo que resulta da mistura de várias “religiões puras”, sendo que não existe “religião pura”. O termo “fanatismo” denuncia pejorativamente alguém comprometido com uma crença e evidencia certa intolerância, o que não convém a uma sociedade de iguais, livres e autônomos. Já a expressão “tolerância” sugere uma aceitação indiferente da fé alheia, de modo que os teóricos optam por “tolerância ativa”, que se opõe não só à intolerância, como também à indiferença, legitimando como igualmente verdadeira, ou no mínimo o direito de ser considerada igualmente verdadeira, a fé do outro.
Juntamente com a espiritualidade pós-moderna, marcada pela subjetividade individual, livre da tutela das instituições sociais religiosas, surge o mercado religioso, com uma fé privatizada. Isso, em parte, explica a Babel em que vivemos hoje, não apenas no mundo religioso em geral, como também no emaranhado de seitas cristãs, pois onde não há Rei, cada um faz o que é certo aos seus próprios olhos.

Ed René Kivitz