O historiador Theodore Zeldin, em seu livro “Uma História Íntima da
Humanidade”, vê a história como meio para interpretar as experiências pessoais
e emocionais. Um de seus personagens é uma mulher frustrada com a vida e com
sua incapacidade de mudar sua realidade. Ela se vê presa num sistema. Zeldin
mostra que a escravidão, no passado, foi sustentada por três razões principais.
A primeira foi o medo. As pessoas aceitavam os sofrimentos e humilhações
impostos por reis e senhores porque tinham medo da morte e das consequências de
uma liberdade sem segurança. Para ele “o medo sempre foi mais poderoso que o
desejo de liberdade”.
A segunda razão é que os seres humanos tornaram-se escravos
voluntariamente. A forma de se escapar da responsabilidade que a realidade
impõe é sujeitar-se a algum tipo de dominação. A terceira é que o escravo do
passado é, surpreendentemente, o ancestral do executivo e burocrata de hoje. No
passado, os homens livres, que eram parte de uma pequena elite, não
trabalhavam, consideravam indigno trabalhar para os outros. Somente os escravos
trabalhavam.
De certa forma, a escravidão continua. No passado, famintos vendiam seus
corpos como escravos; hoje o corpo continua sendo oferecido como mercadoria
para pagar aluguel e colocar comida na mesa. No passado, os escravos
trabalhavam em troca de comida, roupa e moradia; hoje uma grande massa de
operários trabalha e mal consegue pagar pela comida, roupa e moradia.
Executivos trabalham doze horas por dia, às vezes sete dias por semana, para
manter algum acionista milionário em seu iate no Mediterrâneo. É claro que
recebem um bom salário pelo trabalho, mas no passado os escravos mais
sofisticados também eram pagos. Segundo Zeldin, no passado muitos escravos se
faziam eunucos e abriam mão de ter uma família para se dedicarem aos seus
senhores. Hoje muitos profissionais não querem ter filhos e sacrificam suas
famílias em nome da carreira.
A liberdade não consiste num conjunto de leis que garantem algum
direito, nem na ilusão de que ser livre é fazer o que deseja. Mesmo sabendo que
tenho o direito de ir e vir, pesa sobre mim a escolha do lugar para onde quero
ir e quando devo voltar. Mesmo sendo livre para fazer o que desejar, pesarão
sobre mim as consequências do meu desejo.
Não somos livres, pelo menos não no sentido que muitos apregoam. Os
adultos trabalham -- e trabalham para alguém, mesmo quando são donos do seu
negócio. Qualquer escolha livre implica a renúncia de outras possibilidades. E
isso limita a liberdade. Talvez a nossa única liberdade seja a de escolher a
quem servir.
A condição de escravos traz sempre algum tipo de frustração. Numa
cultura narcisista, o fracasso é inaceitável e a realidade, insuportável. No
entanto, todos nós fracassamos, e a realidade, quase sempre, é dolorosa. As frustrações
são fruto de nossas limitações -- limitações que insistimos em não aceitar.
“Negar a morte, não visitar os cemitérios, não vestir luto, tudo isto
parecia uma afirmação da vida, e de fato o foi em certa medida. Mas,
paradoxalmente, acabou se transformando numa armadilha, mais uma das muitas que
a sociedade moderna fabricou para que o homem não sinta as situações limite,
aquelas em que nosso mundo desaba, as únicas capazes de nos despertar desta
inércia que nos move” -- observou o escritor argentino Ernesto Sábato
(1911-2011).
A consciência de quem somos e quem Deus é nos ajuda a lidar com o dilema
da escravidão e das frustrações. Reconhecer que somos pecadores e que vivemos
num mundo marcado pela queda nos ajuda a aceitar os espinhos da vida e o lugar
do suor para ter o pão de cada dia. Reconhecer Deus, em seu Filho Jesus Cristo,
nos ajuda a perceber que somente um ser totalmente livre pode oferecer
liberdade. Seguir a Cristo é colocar-se sob a autoridade do único que pode nos
conduzir no caminho da liberdade. É por isso que Jesus afirma: “Se o Filho vos
libertar, verdadeiramente sereis livres”.
A escravidão moderna não pode ser simplesmente abolida. A solução
estaria em se ter a coragem de escolher a quem servir. Jesus disse: “Não podeis
servir a Deus e às riquezas”. É impossível agradar a ambos. Somente as escolhas
feitas por amor refletem a liberdade humana.
Pr.Ricardo Barbosa de Sousa
www.ultimato.com.br
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